Investigadores da Universidade Católica Portuguesa (UCP) estão a desenvolver, através da derme de coelho, um novo substituto de pele humana que poderá ser usada em produtos farmacêuticos, cosméticos e em unidades de queimados, revelaram hoje as responsáveis da equipa.
“Cerca de 50% a 60% do processo já está escalável industrialmente, porque a empresa [Cortadoria Nacional] já trabalha a transformação. Nós [investigadores] precisamos de escalar os outros 50% das etapas. A seguir, vamos repopular esta pele com células humanas e criar modelos para que as farmacêuticas possam testar”, descreveu a investigadora Ana Leite Oliveira.
Com o nome ReSkin, o projeto está a ser desenvolvido por uma equipa de investigadores do Centro de Biotecnologia e Química Fina da Escola Superior de Biotecnologia da UCP, no Porto, e pela Cortadoria Nacional, uma empresa portuguesa líder de mercado a nível mundial no setor das peles, onde cerca de 70% do produto é, atualmente, desperdício.
“Há interesse e necessidade na área médica e temos outra coisa que também é muito interessante que é a estabilidade do produto natural, quando comparado com o sintético”, acrescentou a investigadora.
O trabalho que tem por base a derme de coelho (a camada interior da pele, subjacente à primeira camada onde estão os pelos) está a ser desenvolvido há cerca de dois anos.
O potencial da ideia já foi comprovado junto da comunidade médica, nomeadamente através da colaboração do cirurgião plástico e reconstrutivo do Hospital de São João e professor universitário da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Ricardo Horta, bem como em reuniões com dermatologistas.
“Se não avança mais rápido é porque somos nós quem coloca um travão. A perspetiva médica é sempre diferente da do cientista, porque acabam por ser mais terra a terra e conseguem ver, quase de imediato, quais as potencialidades que aquele produto pode ter”, acrescentou a investigadora Viviana Pinto Ribeiro.
O objetivo é desenvolver um novo substituto de pele humana, um produto que possa ser opção, por exemplo, nas unidades de queimados onde há escassez de pele por falta de dadores ou onde existe elevado risco de rejeição devido à resposta imune do paciente.
Outra potencial linha de utilização está associada às necessidades das indústrias farmacêutica e cosmética.
Segundo Ana Leite Oliveira, que falava à Lusa desde Friburgo (Suíça), onde participou numa conferência de engenharia de tecidos e medicina regenerativa, neste momento já existe um material “livre de carga genética do coelho que pode ser identificado pelo corpo humano com resposta imune” que avançará para a próxima fase “mais devagar ou mais depressa, consoante o volume de financiamento” que a equipa conseguir.
“A preservação e purificação da pele está garantida. Nós vamos dar continuidade a esse processo até chegar à esterilização. Temos que ter instalações próprias, as chamadas de 'salas limpas', onde os dispositivos médicos depois são finalizados e onde poderão, a partir daí, ser comercializados. É um investimento muito grande”, concluiu.
Já Viviana Pinto Ribeiro – que falava à Lusa após ter apresentado o ReSkin ao programa de investigação Cotec da Fundação Jorge Mello, onde está em jogo um prémio de 250 mil euros, e na mesma semana em que a equipa, incluída num consórcio europeu, candidatou o projeto a um financiamento, cujo valor total para o consórcio é próximo dos três milhões de euros – lembrou que “as coisas estão sempre a mudar, mesmo em termos regulamentares”, razão pela qual prefere ser cautelosa nos prazos.
“O feedback tem sido bastante positivo. A ideia é recebida com surpresa, mas com muita confiança no produto”, disse a investigadora, valorizando muito o “comprometimento e empenho da Cortadoria Nacional”.
É convicção da equipa, lê-se na informação consultada pela Lusa, que os resultados do ReSkin possam vir a traduzir-se em vantagens significativas ao nível da economia circular, dando resposta a um desafio premente com elevado impacto social e económico.
O ReSkin, que foi distinguido em 2023 com o Prémio Alfredo da Silva/Cotec “Inovação Tecnológica, Mobilidade e Indústria”, poderá permitir a valorização das mais de cinco toneladas de pele de coelho produzidas pela empresa Cortadoria Nacional.