O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) pronunciou-se contra a criminalização absoluta, sem exceções, prevista num projeto de lei do BE para os casos de esterilização forçada de pessoas com deficiência ou incapazes.
Numa posição hoje divulgada, o CNECV recomenda que o parlamento “não acompanhe as opções do projeto de lei n.º 402/XVI/1.ª, quanto à criação da figura do consentimento indelegável e à criminalização de toda a esterilização efetuada sem consentimento expresso” da mulher sem capacidade para decidir.
Em causa está uma iniciativa legislativa da bancada do BE, que deu entrada em janeiro, para criminalizar a esterilização forçada de pessoas com deficiência e ou incapazes, assim como para garantir a proteção dos seus direitos sexuais e reprodutivos.
Na proposta, o grupo parlamentar salienta que as pessoas com deficiência, em alguns casos ainda menores, são privadas do direito à sua autonomia, a decidir sobre o seu corpo, a sua sexualidade e a sua reprodução, através da prática de métodos clínicos de esterilização que são permanentes e irreversíveis, como a laqueação de trompas ou vasectomia.
“Esta prática clínica irreversível afeta, na grande maioria dos casos, mulheres e é efetuada a pedido dos pais e tutores legais, que justificam o recurso a este procedimento como uma forma de evitar a menstruação e a gravidez. Em alguns casos, a esterilização é realizada sem que a pessoa com deficiência tenha conhecimento de que o procedimento foi levado a cabo”, refere ainda o projeto de lei.
Na prática, o BE pretende incluir no Código Penal, enquanto ofensa à integridade física grave, a criminalização da esterilização de pessoas com deficiência e/ou incapazes, incluindo menores.
A proposta também define que, nos casos em que não seja possível obter o consentimento, devem ser aplicados outros métodos clínicos que não sejam permanentes e irreversíveis, para que seja possível garantir o respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência.
De acordo com a iniciativa legislativa, a prática de métodos de esterilização irreversíveis que afetem pessoas com deficiência e/ou incapazes só pode ser realizada após o seu consentimento livre, informado e indelegável.
Na sua tomada de posição, o CNECV considera que a solução preconizada no projeto de lei, “procurando evitar uma situação indesejável a vários títulos”, opta por uma “linha extremada de proibição com cobertura penal” e negligencia situações especiais, que devem “merecer consideração adequada num cuidado que se quer humanizado e, por isso, personalizado, atento às especificidades de cada pessoa”.
A entidade presidida por Maria do Céu Patrão Neves alega que as mulheres destituídas de capacidade para decidir e as menores de idade não se integram todas num único padrão que justifique um mesmo procedimento invariável em relação a todas.
“E, todavia, o projeto de lei não destrinça casos de diferente grau de défice cognitivo, nem tão pouco contempla a obrigação de ter em conta a vontade da pessoa em causa, na justa medida das suas respetivas capacidades”, refere.
Além disso, segundo o conselho nacional de ética, não são consideradas as situações em que, devido a outras doenças, a possibilidade de uma gravidez constitui um perigo grave para a saúde ou a vida da mulher e para as quais, esgotadas todas as medidas alternativas, exista indicação de esterilização definitiva.
“Nestes casos, a proibição absoluta e a impossibilidade de recorrer ao consentimento delegado, incluindo em instância judicial, como sucede em outros casos de manifesta incapacidade de decisão, constituiria não só uma discriminação negativa, mas sobretudo um ato de maleficência terapêutica, em ambos os casos eticamente inaceitáveis”, alerta ainda o documento.
O CNECV recomenda ainda que, quando a decisão for tomada por um representante legal, esta deve ser submetida a decisão judicial fundamentada, assegurando uma avaliação rigorosa caso a caso.