Representantes da sociedade civil cabo-verdiana sugeriram hoje a criação de espaços de convívio para idosos e reforço de assistentes sociais para apoiar crianças e pessoas com deficiência, como prioridades do Sistema Nacional de Cuidados (SNC).
"Os idosos precisam de uma atenção especial, como terapia e acompanhamento, porque muitos não saem de casa e vivem sozinhos", disse à Lusa Raimundo Monteiro, presidente da Associação Nós Saúde (Nossa Saúde), depois de o Governo ter lançado uma estratégia para a criação do SNC, publicada em fevereiro.
A associação lidera um projeto denominado Nós Avô (Nosso Avô) e acompanha 50 idosos de algumas comunidades da capital cabo-verdiana, oferecendo consultas médicas e atividades recreativas.
Maria Moreno, de 64 anos, residente no bairro de Achada Grande Frente, na cidade da Praia, cuida da mãe de 88 anos, uma das beneficiárias que, graças à associação, conseguiu ter acesso a uma consulta médica pela qual teria de esperar 11 meses no hospital da capital.
Além do acesso à saúde, Maria pede ainda melhores condições nas habitações, no acesso a água potável e higiene.
"Noutros países, ninguém desta idade fica sem essas condições, muito menos tem de pagar por elas", referiu.
Raimundo Monteiro disse que em Cabo Verde há uma "resistência das famílias" em deixar os idosos em lares, defendendo que o SNC deve apostar em profissionais qualificados, capazes de oferecer cuidados domiciliários.
"O projeto do SNC é meritório, mas falta incluir apoio psicológico, essencial para o bem-estar destas pessoas", acrescentou o presidente da associação.
Para Raimundo Monteiro, a estratégia do Governo de instituir o sistema até 2030 deve também dar prioridade à criação de áreas para juntar crianças com idosos e pessoas com deficiência, considerando o convívio benéfico e saudável para todas as faixas etárias.
A diretora-geral de Inclusão Social, Ednalva Cardoso, explicou à Lusa que o SNC visa reforçar o enquadramento legal dos cuidados, garantir o acesso universal aos serviços e melhorar as condições de trabalho dos cuidadores - promovendo a celebração de contratos de trabalho e acesso a equipamentos apropriados para o desempenho das funções.
Além disso, uma das medidas previstas é reforçar, ainda este ano, a assistência domiciliária para idosos, principalmente os que vivem sozinhos.
O Governo perspetiva ainda construir cinco novos centros de acolhimento para crianças e pessoas com deficiência, reabilitar 30 creches e aumentar o apoio financeiro às famílias mais vulneráveis para acesso ao ensino pré-escolar.
"A principal tarefa agora é coordenar [tarefas] entre os diferentes setores envolvidos para definir o papel de cada um", concluiu.
Leonilde Ribeiro, diretora da residência de idosos Jardim dos Afetos, na Praia, lidera a instituição há 12 anos e manifestou preocupação com a qualidade da formação dos cuidadores.
"São oferecidas várias formações, mas nem todos conseguem prestar um serviço adequado. Cuidar de idosos, crianças ou pessoas dependentes exige preparação e sensibilidade", alertou.
A presidente da Associação de Crianças Desfavorecidas (Acrides), Lourença Tavares, acrescentou que “os problemas começam nos bairros e é lá que devem ser resolvidos. Só assim poderemos garantir dignidade e respeito pelos direitos de todos", defendeu.
O projeto do Governo conta com o apoio das Nações Unidas, do Banco Mundial e de outras entidades internacionais.
A aprovação da estratégia do SNC em Conselho de Ministros, a 04 de fevereiro, foi o primeiro passo num cronograma detalhado que prevê, ainda este ano, a criação de um comité interministerial para coordenação.
Diversos modelos de financiamento podem ser adotados, lê-se no documento, desde logo com dinheiros públicos, através da “alocação de fundos diretamente do Orçamento de Estado” ou de orçamentos municipais e incluindo os cuidados dentro do sistema de prestações da segurança social.
Mas também está aberta a porta a modelos mistos, em que pode haver co-pagamento pelas famílias, recurso a ações “crowdfunding” (doação comunitária), programas de apoio social ou iniciativas empresariais.