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Cooperativa do Povo Portuense resiste há 125 anos à influência do tempo e do homem

Lusa
26-12-2024 09:21h

A Cooperativa do Povo Portuense (CPP) foi fundada a 01 de janeiro de 1900, passou incólume a transição para a 1.ª República, encolheu a sua influência no Estado Novo, viu-se atacada no pós-25 de abril e sobreviveu à pandemia.

Em entrevista à Lusa, o presidente da instituição, Paulo Jorge Teixeira, mergulhou nas memórias e nos arquivos da CPP para contar um percurso de base operária, sindicalista e intelectual iniciado na então conhecida por Manchester portuguesa, dada a classificação de cidade industrial que o Porto então detinha.

“A cooperativa nasceu numa época em que havia muitas preocupações em torno da criação de fábricas e da falta de condições dos operários”, contou o responsável de um tempo em que a CPP chegou “a ter 50 mil associados, o maior número de sempre”.

Da obra que foi nascendo, afirmou o dirigente, destaca-se “o primeiro bairro social da cidade, que foi construído pela cooperativa na zona da Arrábida e depois dado à Câmara do Porto”.

Nesse tempo, a obra acontecia também noutros fóruns, revelando Paulo Jorge Teixeira “que durante a 1.ª República o vereador da oposição [na Câmara do Porto] foi sempre o presidente da cooperativa, porque era a ele quem cabia lutar pelos direitos sociais, como foi o caso de Viterbo de Campos ou de Maravilhas Pereira que lutou pelas oito horas de trabalho semanal nas industrias do tabaco, manufaturas e têxteis”.

“Nos nossos estatutos de 1900 está escrito a defesa do Serviço Nacional de Saúde para todos, mas partiu de nós também a defesa da criação de direitos sociais como o abono de família, a baixa médica para os operários, sempre foi nossa intenção estar à frente do que eram as ideias da época”, contou.

E se foi possível cumprir de forma “impermeável” a passagem da monarquia para a república “porque o pensamento cooperativo era trabalhado e explicado às pessoas”, a não aplicação hoje dessa lógica de persuasão, lamentou o dirigente, explica a “perda de interesse no cooperativismo em Portugal, porque as pessoas não conhecem o modelo”.

“Hoje temos 12 mil associados ativos e 18 mil intermitentes”, disse, revelando estarem “há sete anos a tentar perceber porque é que no estrangeiro o modelo cooperativo é pujante, porque é que uma em cada sete pessoas é membro de cooperativas e o que têm de fazer para que as pessoas entendam a atividade da CPP”.

Todavia, essa lógica nem sequer é nova, ainda que os motivos sejam hoje diferentes, relatando o dirigente que o “movimento cooperativo fortaleceu-se com a I Guerra Mundial pois os estados europeus viraram-se para o conflito e estas estruturas proliferaram, acabando no pós-guerra muitos destes movimentos por ser a base dos partidos que vão moldar as décadas de 1920 e 1930 até à II Guerra Mundial”.

Em contraponto, em Portugal, durante o Estado Novo, “as cooperativas deixaram de ter norte, nunca conseguindo ter músculo financeiro, ou seja, nunca os deixaram criar bancos cooperativos que, a terem existido, certamente teriam evitado algumas das crises vividas”, defendeu.

Novo salto temporal, até 1974, para Paulo Jorge Teixeira contar que o 25 de abril foi “traumático para a CPP” quando “funcionários dos vários tipos de negócios que então tinha a cooperativa não entenderam que por serem membros da cooperativa eram, também, donos desta, ocupando algumas áreas que, depois, porque não tinham capacidade de gestão, acabaram por soçobrar, como foi o caso da gráfica, dos armazéns de calçado e de retalho”.

Cumpridos 125 anos querem ser uma cooperativa a “tentar soluções para os mesmos problemas que existiam na data da fundação, mas agora agravados com a baixa natalidade”, mas também a investir na “formação de dirigentes e funcionários para as cooperativas e associações e aplicar a economia do envelhecimento, promovendo o tratamento do humano por outro humano”.

Nessa lógica de cuidar dos mais velhos, o presidente do CPP defende “a chegadas de novas pessoas”, a quem se deve ensinar a cultura portuguesa ao mesmo tempo que o país se permite “enriquecer com a de quem chega como acontece há 500 anos, repovoando dessa maneira as cidades”.

“Devemos criar um fluxo imigratório não economicista, mas para criar uma nova sociedade”, enfatizou Paulo Jorge Teixeira recorrendo aos números para dizer que “a cidade do Porto tem hoje 28% das pessoas com mais de 65 anos”.

A CPP reclama também “o recurso aos fundos estruturais para criar habitação a renda acessível, evitando as pessoas ficar dependentes dos bancos”.

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