O analista de política internacional Bernardo Pires de Lima defendeu hoje que a Europa deve encontrar formas criativas de interação com África, citando a questão prioritária da dívida externa que asfixia os países menos desenvolvidos.
Bernardo Lima esteve hoje, em Luanda, numa conversa sobre o tema "Dilemas das democracias num tempo de choque geopolítico", com o embaixador de Portugal em Angola, Francisco Alegre, e o jornalista angolano Carlos Rosado de Carvalho, que decorreu a volta do seu livro "O Ano Zero da Nova Europa", publicado em maio passado.
Em declarações à Lusa, o também investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa frisou que a China, o maior credor bilateral do mundo, e outras entidades privadas e organizações multilaterais igualmente credoras “dos países menos desenvolvidos e também mais asfixiados pela dívida”, têm de perceber que a pandemia da covid-19 e o ciclo da inflação agravou a situação desses países.
“Com isso estão a dificultar as recuperações dos países, as ações dos Estados e dos Governos para suprir, por exemplo, problemas de saúde, educação, que estão nas reivindicações populares. Em último caso essa insatisfação popular resulta muitas vezes em golpes de Estado e em grande instabilidade na segurança dos países”, referiu.
Para Bernardo Pires de Lima, os credores têm de ter noção que “estão a promover pela sua inércia" problemas de estabilidade dos países, das sociedades.
“Em África, há vários exemplos disso. A folga orçamental que eventualmente existe é para pagar o serviço da dívida. Não é para investir no sistema educativo nem na saúde pública, e isso tem um preço social e em último caso um preço de instabilidade política, de sistemas, (que pode) resultar mesmo em alteração do quadro de segurança”, frisou.
Durante a conversa, Carlos Rosado destacou que apesar de os europeus terem colonizado os africanos, “não conhecem muito bem África”, olhando para o nível de exigência imposto para iniciativas de apoio ao desenvolvimento, com a disponibilização de linhas de crédito, entre outras.
“Muitos desses apoios não são canalizados para África e uma das razões é o nível de exigência que a Europa tem relativamente a África. O contexto africano é diferente do contexto europeu (…) em África muitos países queixam-se disso”, referiu.
Bernardo Pires de Lima, concordando com a afirmação de Carlos Rosado, sublinhou que “muitos Estados Europeus não têm o continente africano sequer na agenda”.
“Cabe àqueles que têm boas relações, históricas, comerciais, diáspora, interesses bilaterais, perceberem o potencial da relação entre a União Europeia e África, na estabilidade até do próprio sistema, na estabilidade das sociedades envolvidas, na criação de emprego e nas expectativas de uma sociedade tão jovem como a africana”, referiu.
Para isso, apontou o analista de política internacional, “é preciso menos paternalismo, mais interesse”, cabendo aos Estados com mais vínculos promover as relações futuras com o continente africano, no quadro europeu, sendo Portugal um dos países com essa capacidade.
Na sua intervenção, o embaixador português frisou que os diplomatas europeus em Angola estão comprometidos com o desafio de “querer chamar atenção para que haja visitas de alto nível, para que haja diálogo permanente”, para que os africanos sejam ouvidos.