Especialistas internacionais alertam que as ameaças à saúde causadas pelas alterações climáticas continuam a bater recordes, insistindo na transição rápida de uma economia baseada em combustíveis fósseis para uma com emissões zero, indica um relatório divulgado hoje.
No relatório Countdown on Health and Climate Change 2024 da revista científica The Lancet, que contou com o trabalho de mais de 120 especialistas académicos e de agências das Nações Unidas, assinala-se que os últimos dados mostram que “atingiram novos recordes preocupantes” 10 dos 15 indicadores sobre os perigos e impactos das alterações climáticas relacionados com a saúde.
Os autores do relatório pedem "que os milhões de biliões de dólares gastos no financiamento de combustíveis fósseis sejam redirecionados e usados para impulsionar uma transição rápida e justa para uma economia com emissão zero de gases de efeito estufa (GEE), em vez de se prejudicar a saúde” de pessoas em todo o mundo.
Em 2023, "o ano mais quente já registado”, as pessoas "foram expostas, em média, a mais 50 dias de temperaturas perigosas para a saúde”, refere o documento.
O relatório precisa que “a mortalidade relacionada com o calor das pessoas com mais de 65 anos aumentou 167% em comparação com os anos 1990”, acrescentando que a exposição a temperaturas altas também afeta a atividade física e a qualidade do sono – em 2023 as horas de sono diminuíram 6%, em comparação com a média entre 1986 e 2005 -, com consequências na saúde física e mental.
Adianta que durante a década 2014-2023, se registou um aumento dos dias de “precipitação extrema” em 61% da área terrestre mundial, em comparação com a média da de 1961-1990, situação que faz aumentar o risco de inundações e de propagação de doenças infecciosas, enquanto em 2023 “a seca extrema afetou 48% da área terrestre global - o segundo maior nível registado”.
“A maior frequência de ondas de calor e secas” levou a que “mais 151 milhões de pessoas sofressem de insegurança alimentar moderada ou grave em 124 países em 2022”.
A produtividade também é afetada e, em 2023, a exposição ao calor levou a uma “perda recorde de 512 mil milhões de horas de trabalho potenciais”, equivalente a um eventual prejuízo de 835 mil milhões de dólares (771,9 mil milhões de euros) de rendimento a nível mundial.
“Mais uma vez, no ano passado, foram batidos recordes devido às mudanças climáticas — com ondas de calor extremas (…), incêndios florestais devastadores, que afetam pessoas em todo o mundo. Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças para a saúde das alterações climáticas. A persistente expansão dos combustíveis fósseis e as emissões recorde de gases com efeito estufa agravam esses efeitos perigosos para a saúde e ameaçam reverter o progresso limitado feito até agora e deixar ainda mais fora do alcance um futuro saudável”, refere Marina Romanello, diretora executiva do Lancet Countdown na University College London, citada no comunicado de divulgação do relatório.
“Reorientar os triliões de dólares que estão a ser investidos ou a subsidiar anualmente a indústria de combustíveis fósseis permitiria realizar uma transição justa e equitativa para uma energia limpa e mais eficiente, bem como um futuro mais saudável, o que beneficiaria, em última análise, a economia global”, acrescenta.
Segundo a análise, as perdas económicas médias anuais causadas por fenómenos climáticos extremos aumentaram 23%, se forem comparados os períodos de 2010 a 2014 e 2019 a 2023, totalizando 227 mil milhões de dólares (209,8 mil milhões de euros), “maior que o produto interno bruto (PIB) de cerca de 60% das economias em todo o mundo”.
Ainda assim, novos indicadores “revelam que governos e empresas continuam a ‘atiçar o fogo’ com investimentos persistentes em combustíveis fósseis”.
“Enquanto a ação climática é limitada pela falta de financiamento, em 2023 o investimento em combustíveis fósseis ainda atraiu 36,6% do investimento global em energia, com muitos governos a aumentarem os subsídios específicos para os combustíveis fósseis em resposta aos altos preços da energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia”.
As emissões recorde de GEE e a “perda impressionante” de árvores reduzem as “probabilidades de sobrevivência de pessoas em todo o mundo”, avisam os especialistas.
Um relatório divulgado na segunda-feira pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) indica que os níveis dos três principais gases com efeito de estufa que contribuem para o aquecimento global - dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) - voltaram a aumentar no ano passado.
O trabalho divulgado pela Lancet calcula, por outro lado, que “quase 182 milhões de hectares de floresta foram destruídos entre 2016 e 2022, o equivalente a 5% da cobertura florestal mundial, diminuindo a capacidade natural do mundo de capturar dióxido de carbono”.
As perdas maiores registaram-se na Rússia (35,8 milhões de hectares), nos Estados Unidos e no Canadá (quase 15 milhões em cada um).
“As empresas de petróleo e gás — apoiadas por muitos governos e pelo sistema financeiro global — continuam a reforçar o vício mundial de combustíveis fósseis. Num mundo em que a sobrevivência depende da eliminação gradual dos combustíveis fósseis”, diz Stella Hartinger, coautora do relatório e diretora da Lancet Countdown na Universidade Peruana Cayetano Herédia.
Anthony Costello, copresidente do Lancet Countdown, insiste na necessidade de “uma transformação global dos sistemas financeiros”.
“Para uma reforma bem-sucedida, a saúde das pessoas deve estar no centro de uma política dirigida à mudança climática, para garantir que os mecanismos de financiamento protejam o bem-estar, reduzam as desigualdades e maximizem os ganhos em saúde, especialmente no caso dos países e comunidades que mais precisam”.
Costello adianta que a próxima cimeira das Nações Unidas sobre o clima (COP29), que vai decorrer entre 11 e 22 de novembro em Baku, no Azerbaijão, constitui mais uma oportunidade para instar a que seja seguido o referido caminho.
A propósito da publicação do relatório, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou: “Emissões recordes representam ameaças recordes à nossa saúde. Devemos curar a doença da inação climática – cortando emissões, protegendo as pessoas de situações climáticos extremas e acabando com o nosso vício de combustíveis fósseis – para criar um futuro mais justo, seguro e saudável para todos”.