A Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) disse que a generalização do modelo de Unidades Locais de Saúde (ULS) foi feita à pressa e falhou, comprometendo a autonomia e capacidade de resposta das USF.
“Colocou hospitais e cuidados de saúde primários debaixo de um mesmo Conselho de Administração, com gestão e orçamentos comuns, mas, manifestamente, sem planeamento, recursos ou formação para levarem a cabo a tarefa”, concluiu um estudo da USF-AN, que é hoje apresentado em Santarém.
O trabalho, que recolheu informações de 75% dos coordenadores de USF, refere que o modelo ”tinha tudo para falhar e falhou”.
Em declarações à Lusa, o presidente da USF-AN, André Biscaia, lembrou que, apesar de as ULS terem sido anunciadas em 2022, “as unidades não foram preparadas”.
”As estruturas não foram preparadas para receber os cuidados primários, mesmo até a nível de orçamentação, e tudo isto levou a uma grande perturbação da atividade das USF”, explicou.
E exemplificou: “Não havia uma cultura de como lidar com os cuidados de saúde primários. Por exemplo, os vencimentos, uma coisa simples que deveria ser do conhecimento dos recursos humanos, só sete ou oito meses depois é que estavam a processar os vencimentos dos cuidados de saúde primários corretamente”.
A USF-AN tinha alertado para as consequências desta generalização do modelo de ULS, considerando que a autonomia e capacidade de resposta das USF poderiam estar comprometidas, pois o risco era desviar o foco e financiamento para os cuidados hospitalares.
A este respeito, a USF-AN sugere considerar, como modelos experimentais, a criação de Agrupamentos de Centros de Saúde com autonomia igual à das ULS ou uma linha de gestão e financiamento própria dos cuidados de saúde primários, prevenindo o desvio de financiamento e a sua subalternização relativamente aos hospitais.
Questionado pela Lusa, André Biscaia disse que “a estrutura de apoio dentro da ULS para os cuidados de saúde primários é diminuta” e sugeriu: “podia manter-se o esquema do Conselho de Administração para hospitais, cuidados de saúde primários e continuados, mas depois ter uma linha de gestão própria para os cuidados de saúde primários e um orçamento estanque”.
Contou que os centros de saúde “se sentem muito isolados” ao verem atacada a autonomia que sempre tiveram.
“As ULS foram pensadas para melhorar a integração de cuidados, mas essa integração não está a acontecer porque faltam os instrumentos, como o manual de articulação, que diz como as entidades se devem relacionar entre si”, acrescentou.
A associação disse ainda que houve uma “mudança radical” na avaliação de desempenho das USF, com a introdução do Índice de Avaliação e Desempenho (IDE) das equipas, que integra uma série de critérios e que a USF-AN diz ter introduzido “fatores de conflito”, ao fazer depender a remuneração dos profissionais do desempenho financeiro da USF em medicamentos e exames.
André Biscaia defendeu que o critério que relaciona a remuneração dos profissionais com o desempenho financeiro das USF, que numa primeira revisão já perdeu peso, “deveria simplesmente desaparecer”.
“Por um lado, facilitou-se a generalização do modelo B [com remuneração por incentivos], mas por outro, asfixiou-se o modelo e os profissionais nele envolvidos. As consequências ainda estão por apurar”, refere o documento que será hoje apresentado.
Sobre o estudo, André Biscais lembrou que não se tratou apenas de apontar problemas, mas de propor soluções, pois no final são elencadas dezenas de sugestões para as dificuldades encontradas.
Nesta 14.ª edição, o estudo “O Momento Atual dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal”, que pretendeu caracterizar o estado da reforma dos Cuidados de Saúde Primários de 2005, recolheu 495 respostas de coordenadores das 656 USF existentes na altura em que foi elaborado (de 24 julho a 15 de setembro deste ano).
Segundo os dados da USF-AN, a 14 de outubro existia 665 USF B e estavam ativas ainda 28 candidaturas a USF.