O Bloco de Esquerda anunciou hoje que vai chamar a ministra da Saúde ao parlamento para pressionar o Governo a regulamentar a lei da eutanásia, considerando que o atual impasse constitui um ataque ao Estado de Direito.
Esta iniciativa foi transmitida pela deputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias, que recusou o argumento do Governo sobre a necessidade de se aguardar pelas conclusões do Tribunal Constitucional (TC) em relação a dois pedidos de fiscalização sucessiva do diploma da eutanásia, antes de tomar qualquer ação sobre a lei.
“Entendemos que o parlamento deve tomar uma posição e pressionar o Governo no sentido de ter esclarecimentos sobre as razões do atraso na regulamentação da lei. Nesse sentido, o Bloco de Esquerda decidiu chamar ao parlamento a ministra [Ana Paula Martins] para que esses esclarecimentos possam ser dados”, declarou Marisa Matias.
A ex-eurodeputada do BE referiu depois que se trata de “uma lei que já foi votada cinco vezes, que já foi melhorada, que já teve os reparos que tinha que ter” e que foi objeto de um debate público “de mais de dez anos”.
“É uma lei que foi votada cinco vezes por uma larguíssima maioria e, portanto, estamos perante um consenso na sociedade. A lei é muito clara e o prazo de regulamentação foi ultrapassado em muito. Já estamos a falar de mais de um ano”, realçou.
Perante os jornalistas, a ex-candidata presidencial do BE recusou o argumento invocado pelo atual Governo para não avançar já com a regulamentação da lei sobre morte medicamente assistida.
Marisa Matias considerou mesmo que o impasse em torno do processo de regulamentação da lei da eutanásia constitui “um ataque ao próprio Estado de Direito”.
“Segundo os termos da lei e aquilo que nos é dito pela Constituição, o que está aqui em causa é uma violação daquilo que deve ser feito, no sentido de que não há nenhum procedimento, nem de fiscalização sucessiva decorrente deste momento, ou futuro, que possa impedir agora a regulamentação da lei. A regulamentação está atrasada. Esperamos do Governo que a regulamente e que as pessoas possam ter acesso a este direito, como já deveriam ter tido há tanto tempo”, acrescentou.
Esta posição surge depois de um conjunto de personalidades ter assinado uma carta aberta em defesa da regulamentação da lei da eutanásia.
São subscritores dessa carta aberta, entre outras personalidades, o ex-primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, o ex-presidente do PSD Rui Rio, os sociais-democratas André Coelho Lima e Teresa Leal Coelho, o atual e ex-líder da IL, Rui Rocha e João Cotrim Figueiredo, bem como a líder parlamentar liberal, Mariana Leitão, a socialista Isabel Moreira, os bloquistas Francisco Louçã, Catarina Martins e José Manuel Pureza, Rui Tavares (Livre), Inês Sousa Real (PAN) e Heloísa Apolónia (PEV).
Em 02 de novembro de 2023, um grupo de deputados do PSD entregou um pedido de fiscalização sucessiva da lei, pedindo ao TC que avalie a constitucionalidade da própria regulação legal da eutanásia, que consideram ir contra “o princípio da inviolabilidade da vida humana e a inexistência de um direito fundamental à morte autodeterminada”.
Por outro lado, em março deste ano, a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, requereu também ao TC a declaração de inconstitucionalidade da lei da morte medicamente assistida depois de ter recebido algumas queixas que considerou fundamentadas.
A lei da eutanásia foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas aguarda ainda regulamentação.
Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que "a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente".
O diploma resultou do quarto decreto aprovado pelo parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida em determinadas condições, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter enviado o primeiro decreto para o Tribunal Constitucional, em fevereiro de 2021, vetado o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviado o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro.