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ONU alerta para riscos para as mulheres devido a restrições ao aborto na Polónia

Lusa
27-08-2024 10:09h

As leis restritivas sobre a interrupção voluntária da gravidez na Polónia e a pressão de grupos antiaborto implicam riscos acrescidos para as mulheres, alertou hoje o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).

Estes fatores somados “criam um ambiente complicado, hostil e aterrorizador, no qual o acesso ao aborto seguro é estigmatizado e praticamente impossível”, disse a vice-presidente do comité, Genoveva Tisheva, ao apresentar um relatório sobre a situação na Polónia, onde o assunto voltou aos grandes temas da atualidade política desde a mudança do governo após as eleições de outubro passado.

No contexto polaco, muitas mulheres têm gravidezes indesejadas, práticas abortivas em condições perigosas ou a viajar para outros países para abortar, lamentou o comité das Nações Unidas.

Genoveva Tisheva e Lia Nadaria, outra especialista que integra o comité da ONU, visitaram a Polónia em 2022 para investigar denúncias de organizações da sociedade civil sobre a difícil situação das mulheres que tentam o aborto.

Na Polónia, o aborto só é legal quando a saúde da grávida está em risco ou se a gravidez for o resultado de violação ou crimes semelhantes.

Muitos médicos hesitam em realizar abortos por receio de enfrentarem acusações criminais, dadas as fortes restrições legais, resultando em atrasos nos procedimentos que colocam em risco a vida de muitas mulheres.

Existe também um elevado número de especialistas que se recusam a realizar abortos alegando motivos religiosos ou morais, e a situação é agravada por grupos de pressão antiaborto, com ameaças e denúncias contra aqueles que auxiliam as mulheres na interrupção voluntária da gravidez.

As restrições “contribuíram para provocar mortes que poderiam ter sido evitadas” num país onde as mulheres “sofrem graves violações dos seus direitos”, conclui o relatório do comité das Nações Unidas, composto por 23 especialistas (22 dos quais mulheres) e atualmente presidido pela espanhola Ana Peláez.

O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, reconheceu na semana passada que não tem o apoio do parlamento para alterar a lei do aborto, que está entre as mais restritivas de toda a Europa e é sujeita a críticas frequentes das instituições europeias.

Tusk, um centrista liberal, assumiu o poder em dezembro à frente de uma coligação que abrange uma ampla divisão ideológica, com deputados de esquerda que querem legalizar o aborto e conservadores católicos que se opõem a alterar a lei para permitir o aborto até à 12.ª semana de gravidez.

“Não haverá maioria neste parlamento a favor do aborto legal, no sentido pleno da palavra, até às próximas eleições. Não nos vamos enganar", disse Tusk durante um evento na sexta-feira onde foi questionado sobre o assunto.

Tusk, cuja força política, Plataforma Cívica (PO), incluiu o aborto nas suas promessas eleitorais, conquistou o poder através de uma coligação pós-eleitoral, interrompendo oito anos de governo dos conservadores populistas Lei e Justiça (PiS), responsáveis pelas fortes restrições à interrupção voluntária da gravidez e que deram a amplos protestos nas ruas.

Apesar de ter maioria no parlamento, a coligação governamental está dividida e pode contar ainda com a oposição do Presidente da República, Andrzej Duda, eleito com apoio do PiS, e que tem poder de veto.

Na sexta-feira, Tusk indicou que, em alternativa, o seu Governo está a trabalhar no estabelecimento de novos procedimentos no Ministério Público e nos hospitais polacos, a fim de aliviar algumas das restrições.

“Isto já está em andamento e será muito percetível”, afirmou.

A Polónia é um país maioritariamente católico romano onde a Igreja mantém uma posição forte. Mas a nação da Europa Central de 38 milhões de habitantes também está a sofrer uma rápida secularização, a par de uma riqueza crescente.

O aborto é, no entanto, ainda visto como uma questão fundamental para muitos eleitores e uma fonte de profundas divisões sociais e políticas, como ficou evidente nas últimas legislativas, que demonstraram igualmente uma forte polarização do eleitorado.

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