A organização não-governamental Médicos sem Fronteiras (MSF) apelou hoje às partes em conflito na Faixa de Gaza que garantam o acesso seguro de doentes e feridos aos hospitais, frisando que julho tem sido um "mês horrível”.
“Os MSF apelam urgentemente a todas as partes em conflito para que garantam o acesso seguro da população aos cuidados médicos e evitem a evacuação do hospital Nasser [na cidade de Gaza], o que colocaria em risco centenas de pacientes”, lê-se num comunicado da organização humanitária, a que a agência Lusa teve acesso.
“Todos os dias de julho têm sido um choque atrás do outro”, afirmou Javid Abdelmoneim, chefe da equipa médica dos MSF, relatando que, a 24 deste mês, encontrou atrás de uma cortina no hospital Nasser uma menina de oito anos, sozinha e gravemente ferida, que acabaria por sucumbir aos ferimentos.
Para Abdelmoneim, trata-se do “reflexo de um sistema de saúde em colapso”.
“Uma menina de oito anos, morrendo sozinha num carrinho na sala de emergência. Num sistema de saúde a funcionar, ela teria sido salva”, lamentou.
No comunicado, os MSF defendem que o hospital Nasser tem de ser protegido, uma vez que os últimos hospitais principais do centro e do sul de Gaza estão a debater-se “com o mortífero mês de julho”.
Em Khan Younis, no sul de Gaza, os combates estão a aproximar-se cada vez mais do hospital Nasser, colocando-o sob ameaça e pondo em risco o acesso da população a cuidados médicos.
Isto acontece quando as equipas dos MSF nos hospitais Nasser e al-Aqsa responderam a 10 afluxos maciços de pessoas gravemente feridas só em julho, na sequência de bombardeamentos na área.
“Qualquer escalada dos combates perto do hospital obstruiria o acesso dos pacientes e da equipa médica, tornando impossível a prestação de cuidados”, diz Jacob Granger, coordenador do projeto dos MSF em Gaza.
“O sistema de saúde está completamente dizimado e evacuar centenas de pacientes e suprimentos médicos, apressadamente ou não, seria uma tarefa impossível e traria consequências devastadoras para as pessoas da região, que não têm para onde ir”, defendeu Granger, para quem fechar o hospital Nasser “não é uma opção.”
Segundo os MSF, o hospital Nasser está a prestar cuidados a cerca de 550 doentes, incluindo pessoas com queimaduras graves e traumatismos, recém-nascidos e mulheres grávidas.
Segundo dados do Ministério da Saúde do Hamas, que controla a Faixa de Gaza, os níveis de sangue no banco de sangue do hospital Nasser estão criticamente baixos, depois de cinco vagas sucessivas de pacientes recebidos, com cerca de 180 mortos e 600 feridos.
“Uma em cada dez pessoas que se ofereceram para doar sangue durante uma atividade de recolha apoiada pelos MSF não estava apta a doar devido a anemia ou desnutrição. No hospital de al-Aqsa, o serviço de urgência não tem podido funcionar corretamente, pois está sobrecarregado de doentes”, acrescenta-se no comunicado.
Antes da guerra, lembram os MSF, o hospital de al-Aqsa tinha cerca de 220 camas para doentes, número atualmente ultrapassado para níveis insustentáveis – entre 550 e 600 internados.
“O hospital de al-Aqsa já tem várias centenas de pacientes acima de sua capacidade de camas”, insistiu Alice Worsley, enfermeira gerente de atividades dos MSF, para quem a situação é “desesperada”.
“Mesmo a resposta mais dedicada nem sempre pode salvar vidas sem suprimentos, camas e equipas médica suficientes”, acrescentou Worsley.
Em 22 e 27 de julho, as forças israelitas emitiram duas ordens de evacuação em Khan Younis, o que resultou em mais uma deslocação em massa e reduziu ainda mais o espaço onde as pessoas podem ir.
Segundo o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA), de 22 a 25 de julho, cerca de 190.000 palestinianos foram deslocados em Khan Younis e Deir al-Balah.
Desde o início da guerra, estima-se que 1,7 milhões de pessoas tenham sido aconselhadas a deslocar-se para uma área de 48 quilómetros quadrados (km²), o que representa 13% da Faixa de Gaza, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Embora as chamadas zonas humanitárias se tenham revelado inseguras em Gaza, a existência de tais zonas não retira às partes beligerantes a obrigação de proteger os civis - onde quer que se encontrem. Por quase 10 meses, nós vimos que nenhum lugar em Gaza é seguro”, sustentam os MSF.