A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) alertou hoje que a dívida dos países menos desenvolvidos está a impedir os investimentos públicos na educação e saúde dos cidadãos, perpetuando o subdesenvolvimento.
"Os custos de servir a dívida dos países menos desenvolvidos [LDC, na sigla em inglês] dispararam, com estruturas de dívida mais complexas desde o início deste século, e com calendários de maturidade ineficientes", dizem os peritos no relatório deste ano sobre este grupo de 46 países que inclui os lusófonos Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.
O documento hoje divulgado em Genebra, com o título Financiamento para um Desenvolvimento Resiliente à Crise, aponta que "desde 2018 os LDC têm gasto mais dinheiro a servir a dívida externa do que na educação", e acrescenta que "os gastos com o serviço da dívida externa aumentaram de um valor correspondente a um terço dos gastos em saúde entre 2009 e 2011, para três quartos entre 2018 a 2020", período durante o qual 11 países gastaram mais no serviço da dívida do que na educação e saúde em conjunto, um desenvolvimento que nunca tinha acontecido em qualquer LDC antes de 2018.
Salientando que "a crise da dívida é iminente e está ao nível da magnitude testemunhada nos anos 90, quando foi implementada a Iniciativa para os Países Pobres Altamente Endividados", a UNCTAD aponta no relatório que os juros são também mais elevados para estes países e que todos os indicadores de sustentabilidade da dívida pioraram nos últimos anos.
"Os LDC em sobre-endividamento precisam de uma injeção imediata de liquidez para prevenir que a crise degenere numa catástrofe socioeconómica", alerta a UNCTAD, aconselhando os parceiros bilaterais a aumentarem o nível de ajuda através de um abrangente alívio da dívida que lhes permita lidar com a situação e libertar recursos para aumentar a despesa social".
Para os peritos da UNCTAD, a solução está não em aumentar o nível de empréstimos, mas sim em perdoar dívida e fazer doações, nomeadamente no que diz respeito às iniciativas de mitigação e adaptação às alterações climáticas, para evitar que os países caiam na "armadilha da dívida climática".
"O financiamento tem de ser doações, e não empréstimos, se os LDC querem evitar a armadilha da dívida climática; no entanto, mais de um terço dos fluxos financeiros relacionados com o clima são entregues através de empréstimos, o que faz aumentar o já de si grande peso da dívida", lê-se no relatório da UNCTAD.
O documento hoje divulgado em Genebra, com o título Financiamento para um Desenvolvimento Resiliente à Crise, passa em revista as principais dificuldades deste grupo de países cujos cidadãos recebem menos de 1.088 dólares (1.018 euros) ou menos por ano, e coloca o foco nas consequências não só do abrandamento do crescimento económico, mas também da exposição às alterações climáticas, falta de financiamento externo e aumento da pobreza neste grupo em que 33 dos 46 países são africanos, defendendo um amplo envolvimento da comunidade internacional para ajudar estes países.
Entre as medidas defendidas, a UNCTAD aponta a reforma da arquitetura financeira internacional, uma suspensão dos pagamentos da dívida em caso de incumprimento enquanto decorrerem as negociações sobre reestruturação da dívida, o aumento do financiamento através dos bancos multilaterais de desenvolvimento, uma maior coordenação entre os credores, o aumento da mobilização de receitas internas e um aumento do grau de intervenção dos bancos centrais nas políticas climática, nomeadamente através da análise dos riscos climáticos dos países parceiros e avaliando o alinhamento do sistema financeiro com as prioridades climáticas.