O epidemiologista norte-americano David Heymann classificou hoje como "especulação" a ideia de que o novo coronavírus, designado Covid-19, enfraquece em climas quentes, e apontou que as implicações da doença continuam a ser "largamente desconhecidas".
"Nem eu, nem ninguém, pode dar uma resposta precisa a essa questão", explicou à agência Lusa o professor de Epidemiologia na Escola de Higiene de Londres e ex-diretor da Organização Mundial da Saúde para as Doenças Transmissíveis.
Numa entrevista por telefone, a partir da capital britânica, Heymann reconheceu que alguns coronavírus, como a gripe comum, prevalecem sobretudo no inverno, mas que há também os que são transmissíveis com igual intensidade durante todo o ano, como é exemplo a Síndrome Respiratória do Médio Oriente.
O epidemiologista lembrou que o Covid-19 é um vírus novo e, portanto, "desconhecido", e que só com o tempo "será possível apurar".
"O mais importante sobre uma nova infeção em seres humanos não é o que se sabe sobre esta, mas aquilo que não se sabe", resumiu Heymann, considerando que a gravidade do Covid-19 "está por definir".
"Não se sabe se é um vírus que causará alguns surtos, e desaparecerá, ou se se tornará endémico entre populações em risco, e continuará a alastrar-se dentro e fora da China", explicou.
Heymann lembrou que a versão inicial, de que o surto teve origem num mercado de mariscos, "não foi ainda provada", o que torna difícil perceber o papel do ambiente na sua propagação, apesar de ser já claro que é transmitida através de tosse ou espirro.
E disse que a infeção parece ter efeitos mais graves entre pacientes com doenças pulmonares, cardíacas, diabetes e outras doenças crónicas.
"Quando as pessoas ficam infetadas, a doença é agravada por outras doenças, provocando, em alguns casos, uma pneumonia grave", explicou.
O novo coronavírus foi primeiro reportado no final do ano passado, na cidade de Wuhan, centro da China, quando as autoridades locais detetaram 27 infetados com uma "doença misteriosa", que acabou por se alastrar a todo o país, causando, até à data, 2.118 mortos e 74.576 infetados.
Além dos 2.118 mortos na China continental, morreram três pessoas no Japão, duas na região semiautónoma chinesa de Hong Kong, duas no Irão, uma nas Filipinas, uma em França, uma na Coreia do Sul e uma em Taiwan.
Heymann apontou que o primeiro objetivo da OMS é eliminar a doença fora da China e aguardar pelos desenvolvimentos no país asiático para saber o que é "viável" fazer a seguir.
As autoridades chinesas colocaram já sob quarentena Wuhan e várias cidades próximas, com entradas e saídas interditas, numa decisão que afeta quase 60 milhões de pessoas. Por todo o país, aldeias e estradas foram bloqueadas por moradores, para impedir a entrada de forasteiros.
Em Pequim, seguranças contratados pelos moradores montaram tendas militares à entrada de condomínios, proibindo o acesso a não residentes. Em alguns casos, residentes bloquearam as entradas dos bairros, empilhando bicicletas e amarrando-as com arame farpado.
Companhias aéreas de todo o mundo suspenderam voos para e a partir da China, Rússia, Coreia do Norte e Vietname e encerraram as fronteiras com o país e vários países pararam de emitir vistos para cidadãos chineses.
Volvido um mês desde as férias do Ano Novo Lunar, milhões de trabalhadores, que deveriam ter já regressado das suas terras natais, permanecem em casa, impedindo a reabertura de fábricas e negócios, com consequências imprevisíveis para o tecido empresarial da segunda maior economia do mundo.
Questionado se o alarmismo em torno da doença não é exagerado, Heymann reconheceu algum "sensacionalismo".
"Nós usamos dados como a transmissibilidade da doença, e outros, e criamos modelos com os melhores e piores cenários possíveis. Infelizmente, muitas vezes as pessoas pegam no pior cenário por questões de sensacionalismo", afirmou. "Mas, modelos são apenas modelos, não são a realidade", apontou.
O epidemiologista considerou, no entanto, que a preocupação é "justificada", quando não se determinou ainda o potencial de uma nova doença.
"É correto que haja preocupação no início de uma nova doença", notou, "precisamente por aquilo que não se sabe ainda".