SAÚDE QUE SE VÊ

Dia Mundial da Uma Só Saúde alerta para ligação homem, animal, ambiente

LUSA
02-11-2020 15:18h

Pandemias como a que mundo atravessa atualmente só podem no futuro ser evitadas partilhando conhecimentos entre a saúde humana, animal e ambiental, e isso faz-se começando já ensinando os mais jovens, defende a veterinária Catarina Lavrador.

Doutora em medicina veterinária e professora, Catarina Lavrador é também facilitadora para a Europa do movimento 1Hope, “One Health for One Planet”, que assinala na terça-feira o Dia Mundial da Uma Só Saúde.

A ideia de que a saúde de humanos, animais e planeta está ligada e como tal devia ser assim estudada tem há cerca de uma década sido enfatizada pelos movimentos internacionais “One Health Comission” e “One Health Initiative”. Da “One Health Initiative” surgiu a plataforma 1Hope, de aposta na educação, da qual Catarina Lavrador faz parte.

Em entrevista à Lusa a propósito do dia que se assinala na terça-feira, a professora salienta que a saúde dos humanos, dos animais e do planeta está ligada e que por isso é importante “aglomerar e permitir a partilha de conhecimentos”, o que até agora não tem sido feito com consistência.

“A forma como vivemos hoje, com a nossa fonte de alimentação a assentar muito na agricultura e pecuária intensivas, associadas à globalização, faz com que todo o planeta esteja ligado”, diz.

E a pandemia de covid-19 é exemplo disso. Porque quando o homem invade habitats onde existem animais com doenças que eram para ele desconhecidas, e quando leva esses animais para o seu próprio habitat, “tudo é possível”.

“Daquilo a que se chama o grupo de doenças infecciosas emergentes 75% são zoonoses, ou seja, doenças que veem dos animais”, diz Catarina Lavrador, dando outro exemplo da relação homem/animal/ambiente, a resistência aos antibióticos por parte dos humanos.

Se na Indonésia ou no Camboja se usam antibióticos para promover o crescimento dos camarões, quem os come da Europa consome bactérias “carregadas de resistências”, o que leva a ser difícil de tratar hoje uma vulgar infeção respiratória, explica.

Depois, hoje como nunca, as pessoas têm animais de companhia, que podem transmitir doenças graves se não forem diagnosticadas e tratadas a tempo, adianta a responsável.

E quando é o ambiente que está doente o mesmo se passa. Catarina Lavrador dá o exemplo das alterações climáticas e do evidente aumento das temperaturas.

Por causa desse aumento “passámos a ter vetores (animais) que só existiam em determinadas zonas e em parte do ano. Hoje há carraças, pulgas e mosquitos praticamente o ano inteiro, todos vetores de doenças. E vamos ter sem dúvida em Portugal doenças que antes não tínhamos”.

Catarina Lavrador está ciente da complexidade de tudo isto, e é por isso que defende a aposta na educação dos jovens numa fase precoce. “É a eles que tem de se dizer, através do ensino e de outras plataformas, que é preciso reduzir a pecuária intensiva, que é preciso comer menos carne. É preciso explicar-lhes que são problemas reais e que se refletem na qualidade de vida das pessoas”.

É nisso que se centra também o Dia Mundial da Uma Só Saúde, criado em 2016 para chamar periodicamente a atenção das pessoas para esta interligação, porque existe essa relação homem/animal/ambiente e porque a “operacionalização de medidas de forma articulada ainda é muito disfuncional”.

Mas os jovens, e a sociedade em geral, não estão já sensibilizados? “Estamos a melhorar, mas não ao ritmo que teríamos de o fazer”, responde Catarina Lavrador.

E por isso, avisa, a humanidade arrisca-se a ver surgir um vírus muito mais patogénico do que a covid-19. E diz: “Isto devia servir-nos de lição para começar a preparar já a prevenção dos danos de uma próxima pandemia, porque ela vai ocorrer”.

E ainda sobre a covid-19, que já provocou mais de 1,2 milhões de mortes no mundo, a responsável afirma que ela surgiu por culpa do ser humano mas parece que essa mensagem “não passou”.

“Diz-se que é culpa da China, por causa dos mercados, mas há outros mercados pelo mundo do mesmo género, que misturam espécies muito diferentes. Mas a mensagem agora é a de conter danos e depois logo se vê. E entretanto pode estar a nascer algures outra pandemia”, diz.

E como é que isso se evita? Catarina Lavrador resume: Trabalhando em equipa entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. E apostar na educação.

É basicamente essa a abordagem dos movimentos “uma só saúde”.

A veterinária lembra a antiga utilização de canários nas minas de carvão, que morriam quando havia concentração de gases tóxicos e dessa forma alertavam os trabalhadores para sair do local.

E ainda que a frase não seja original deixa-a no final da entrevista. A abordagem “uma só saúde” faz com que “todos nós possamos ser canários à entrada da mina”.

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