A Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) recomendou quinta-feira ao Governo que seja feito com urgência o manual de atuação funcional sobre a ação dos órgãos de polícia criminal nas 72 horas subsequentes a uma denúncia.
A urgência na elaboração deste manual, que está já previsto pelo Governo, prende-se com a necessidade de dar melhor proteção e apoio às vítimas e à preservação e aquisição urgente da prova.
Esta é uma das recomendações da equipa após análise de um processo de violência doméstica ocorrido em 2017 e que resultou na morte de uma mulher casada com o agressor, que também acabou por pôr termo à vida, ao verificar que apesar do caso ter sido assinalado não se registou um acompanhamento persistente e integrado.
A EARHVD recomenda às entidades promotoras das estruturas de atendimento da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD) e ao Instituto de Segurança Social que façam um acompanhamento continuado das vítimas sinalizadas em contexto de violência.
A equipa refere que o contexto de violência doméstica no casal ocorria há vários anos, e que se registaram falhas por parte de todas as entidades que contactaram com o caso, nomeadamente a Saúde, a GNR, a Segurança Social e o Ministério Público, assim como uma deficiente avaliação de risco.
Segundo o relatório, houve ainda uma legitimação da violência doméstica pela comunidade, indicando os dados relativos ao caso que parecia ser entendido, não raramente, como uma questão íntima do casal, silenciada e tacitamente aceite.
Em nenhum dos inquéritos deste caso houve quem tivesse contribuído com o seu depoimento para prova dos factos denunciados.
A família, a comunidade e as instituições foram fortemente influenciadas pelo alcoolismo de ambos na forma como olharam para os conflitos do casal e para a violência exercida.
Para a EARHVD, a informação deste caso permite constatar que a vitima teve contactos ao longo de oito anos com entidades de cinco áreas de intervenção do Estado e da RNAVVD que procederam à recolha de dados, mas cujas intervenções se caracterizaram por serem meramente reativas, parcelares e descontinuadas, e que podem ter constituído oportunidades perdidas de intervenção.
A Saúde, desde 2009 até à morte da vítima, limitou-se ao tratamento sintomático e à reparação das lesões físicas e psicológicas, sem que procurasse averiguar da sua origem tal como a estrutura de atendimento da RNAVVD que em 2014 acompanhou a vítima por maus tratos físicos e psicológicos graves encaminhou-a para uma entidade de apoio a dependências, face ao consumo excessivo de álcool, não tendo promovido o acompanhamento continuado quanto ao contexto de violência doméstica.
Já no que respeita à Segurança Social, apesar de ter conhecimento da gravidade da situação, que determinou, em 2016, um pedido de acolhimento da vítima, considerou-a estabilizada assim que esta foi acolhida em casa de uma irmã.
No que respeita ao Ministério Público e à GNR, a equipa refere no relatório que “tiveram uma ação claramente insuficiente para fazer cessar o ciclo de violência”.
“Demitiram-se, do ponto de vista criminal, de efetuar uma efetiva investigação e recolha de prova”, refere a equipa.
O MP, acrescenta, não ponderou a comunicação da situação às estruturas para que fosse garantido o seu acompanhamento.
“O sistema de intervenção, como um todo, falhou, não foi capaz de articular e transmitir a informação entre os vários setores, de compreender e interpretar as especificidades, os receios as inseguranças, as hesitações e os não ditos da vítima, de os ler no quadro de grande fragilidade e dependência alcoólica”, escreve a equipa no relatório.