Com o encerramento da urgência pediátrica noturna, o Hospital Garcia de Orta, em Almada, tornou-se em 2019 num símbolo da degradação do SNS que tem sido apontada por profissionais do setor nos últimos anos.
Encarado pelo primeiro-ministro como “a joia da coroa” da atual legislatura, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é descrito por médicos, enfermeiros e outros profissionais como desgastado, a ultrapassar a linha vermelha ou muito perto de um ponto de não retorno.
Vários anos de desinvestimento, muito no período da ‘troika’, trouxeram ao serviço público de saúde vulnerabilidade, que foi sendo acompanhada por um descontentamento de profissionais do setor.
A “diáspora médica”, como classificou no mês passado o cirurgião José Fragata, tem sido motivo de especial preocupação, com vários clínicos a saírem do serviço público nos últimos anos, para unidades privadas ou mesmo para outros países.
Foi aliás a falta de pediatras e a sua saída para privados que ditou o encerramento da urgência pediátrica do Garcia de Orta no período noturno. Embora o Ministério da Saúde garanta que se trata de um encerramento temporário, a situação decorre desde há um mês e sem fim garantido à vista.
O abandono do SNS pelos profissionais é também assumido pelo Governo como uma preocupação, e o próprio programa do executivo define a criação de “pactos de permanência” para profissionais que sejam formados no serviço público.
Na quarta-feira, o Governo aprovou em Conselho de Ministros o Plano de Melhoria da Resposta do SNS, que passa pela contratação de 8.400 profissionais em 2020 e 2021, um ritmo de contratação um pouco acima do que se verificou nos últimos quatro anos.
Além disso, foi ainda anunciado um reforço do orçamento da saúde de 800 milhões de euros para 2020, que é, segundo o Governo, o maior “investimento inicial de sempre”.
O reforço orçamental anunciado está em linha com o que tinha sido exigido pelo Bloco de Esquerda para a saúde e visa responder à constatação do subfinanciamento do setor.
O Governo também promete estudar e negociar com os profissionais a exclusividade de trabalho no SNS, uma opção que os médicos tinham até 2009 de dedicação plena ao serviço público.
Contra os argumentos cada vez mais vincados de um SNS “a ultrapassar a linha vermelha”, como indica a Ordem dos Médicos, o Governo tem insistido nos números crescentes de profissionais. Os dados oficiais apontam para mais 14 mil trabalhadores no SNS no final deste ano do que em 2015.
Parte destes novos recursos humanos, sobretudo enfermeiros, técnicos e assistentes operacionais, serviu para colmatar a passagem das 40 para as 35 horas de trabalho semanal na saúde.
Em termos de indicadores de assistência, o SNS tem continuado a aumentar o número de consultas em centros de saúde e hospitais, mas os tempos de espera, sobretudo na área cirúrgica, mantêm-se críticos e acima do que é clinicamente recomendado para muitas especialidades e unidades de saúde.
Apesar de se manter entre os países com maior esperança de vida à nascença, Portugal registou no último ano uma regressão nos indicadores de mortalidade materna e infantil, cujas causas ainda estão em estudo.
A marcar o ano na saúde esteve também a aprovação de uma nova Lei de Bases, que criou fricções à esquerda, com o BE e o PCP contra a gestão de unidades de saúde em parceria público-privada (PPP).
A referência às PPP acabou por desaparecer do documento final, num acordo entre a então maioria de esquerda, que remeteu a questão para regulação futura.