O Presidente da República considerou hoje que Portugal tem setores racistas e xenófobos, mas defendeu que a maneira de lutar contra as discriminações "não é estar a destruir História, é fazer História diferente".
Em resposta a questões dos jornalistas, nas instalações da RTP, em Lisboa, depois de dar uma aula em direto para o projeto de ensino à distância #EstudoEmCasa, o chefe de Estado sustentou a História deve ser assumida como um todo e condenou a vandalização e destruição de estátuas, interrogando: "Isso traduz-se em quê?".
"Eu acho que a maneira de verdadeiramente lutar contra as discriminações, e concretamente contra o racismo ou a xenofobia, é criar condições hoje, e para o futuro, que reduzam essas desigualdades. Não é estar a destruir História, é fazer História diferente. É fazer História diferente, é aditar História diferente", afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que "o destruir a História é um exercício teoricamente muito fácil, mas que não vai, na prática, mudar as condições de vida daqueles que são discriminados, que são isolados", como os moradores do Bairro da Jamaica, no concelho do Seixal, distrito do Barreiro.
"Visitei as casas deles, conheço o que é a casa deles. Como visitei bairros que não são de minorias étnicas, onde há quem, pertencendo à maioria étnica portuguesa, viva em bairros assim. É combater isso, é acabar com esses bairros, isso é que é fundamental", contrapôs.
Sobre o racismo em Portugal, Presidente da República referiu que não há estudos que indiquem a sua prevalência, mas deu como certo que "há setores racistas" e "há setores xenófobos" no país, assim como "há muitos que não são xenófobos nem racistas".
No seu entender, este é um tema a tratar e analisar seriamente, olhando não apenas para os que "são punidos na base da discriminação, da raça ou da xenofobia", mas também "da pobreza".
"Há dois milhões de pobres, e não há dois milhões de minorias étnicas. Portanto, quer dizer que há muitas discriminações na sociedade portuguesa a merecerem a atenção e o combate", acrescentou.
Segundo o chefe de Estado, "há aqui uma confusão enorme" sobre a forma de se combater o racismo, havendo quem queira "julgar a História de hoje para o passado", o que apontou como "um risco enorme, porque depois virá amanhã, e amanhã haverá quem julgue de outra maneira".
"Se não, começa no Afonso Henriques, por causa da perseguição aos muçulmanos, vai toda a primeira dinastia, depois vai o império todo, vão todas as personalidades, vai a Torre de Belém, vão os Jerónimos, e vai tudo. Vai tudo, é evidente. Mas vão também várias obras de romanos, de gregos, da História universal", ilustrou.
O Presidente da República frisou que nunca gostou "da ideia de queimar livros, de destruir obras de arte, de destruir estátuas porque eram de um tempo em que havia escravos - na Grécia antiga havia escravos, em Roma havia escravos - ou porque havia certas realidades que eram ditaduras hoje: as obras do Renascimento italiano eram pagas por mecenas que eram, obviamente, ditadores, à luz dos dias de hoje".
"Se formos apreciar assim, vamos destruindo aquilo que é a expressão cultural da História da humanidade", alegou.
Marcelo Rebelo de Sousa falou prolongadamente sobre este tema, e terminou dizendo, como "última nota", que a sua função como Presidente da República "é unir, não é dividir" e que aquilo que mais o preocupa "é a radicalização na sociedade portuguesa", fazendo um "apelo ao bom senso".
"Num momento em que temos a pandemia e em que temos uma crise brutal social e económica, vamos juntar a isso a radicalização gratuita, que se alimenta reciprocamente?", questionou, alertando que "um radicalismo puxa outro radicalismo, que puxa o primeiro, e puxa o segundo, e puxa o primeiro".
O chefe de Estado insistiu que a História "é feita de momentos bons e momentos maus, de vitórias e derrotas" e deve ser assumida como um todo, com respeito pelas personalidades que a marcaram e recordou as declarações que fez a este propósito, no Senegal, quando visitou um antigo entreposto do tráfico de escravos.
"Isso abriu um debate sobre a História portuguesa, e o debate tem lógica fazer-se. E eu esclareci: não, eu assumo, como todos os portugueses assumimos e respondemos por aquilo que fizemos bem, fizemos mal, mesmo que à época aquilo que fizemos mal não fosse evidente que fosse tão mau como hoje se sabe que foi", disse.
De acordo com o Presidente da República, "a perseguição da Inquisição aos judeus e a muçulmanos na altura em que ocorreu já na época se sabia que era um erro, porque já havia outras sociedades que não cometiam esse erro, mas há outras realidades que hoje se sabe que merecem uma censura que na altura não mereciam".