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Covid-19: Crianças de acolhimento enfrentam maiores dificuldades durante pandemia nos EUA

LUSA
14-05-2020 15:34h

Jovens adotados ou em instituições de acolhimento nos EUA passam por mais instabilidade e dificuldades quando passam a serem autossuficientes durante a pandemia de covid-19, sem poderem encontrar casas ou empregos, segundo testemunhos de uma reportagem da agência AP.

Jessica Overstreet entrou no orfanato aos 14 anos, separada dos irmãos e com pouco conhecimento sobre o significado e efeitos do acolhimento. A jovem identificava-se apenas no que tinha visto no musical “Annie” e por isso, nos tempos iniciais, guardou a situação em segredo.

O supervisor da sua situação era “uma pessoa muito boa”, mas sobrecarregada, disse Jessica à agência AP, admitindo que desejava ter tido mais tempo a sós para compartilhar a dor que era separar-se da família.

Agora, aos 26 anos, Jessica Overstreet mora sozinha em Tampa, na Florida e recorda que as plataformas de videochamadas, como Zoom ou Skype, já existiam há 12 anos, “mas não eram utilizadas”.

As crianças adotivas têm enormes desafios, mesmo nas melhores alturas, e o novo coronavírus ameaça com mais instabilidade e turbulência, escreve a AP.

Isolados de supervisores e amigos adultos, as crianças adotivas enfrentam dificuldades maiores na passagem para a vida adulta, seja com famílias adotivas ou biológicas, seja como adultos recém-independentes, por causa da pandemia.

Overstreet teme que a nova realidade trazida pela pandemia de covid-19 tenha tornado as situações difíceis de algumas crianças adotivas "100 vezes piores".

O stress da transição da assistência social para a idade adulta legal, que nunca é fácil, tornou-se mais exacerbado pela pandemia, que devastou as economias locais e complicou ainda mais o processo de encontrar um novo lar e emprego.

"Espera-se que completes 18 anos e faças todas essas coisas, mas é difícil", disse Overstreet, que recorre à sua própria experiência para ajudar jovens adotados ou em acolhimento, através do grupo defensor dos jovens Florida Youth Shine.

Natasha, filha adotiva de 19 anos, residente da cidade de South Gate, nos arredores de Los Angeles, estava com as duas irmãs mais novas de visita aos pais biológicos, quando foi notificada que iria perder o lar adotivo se não voltasse dentro de duas semanas, por causa da distância que tinha viajado.

A nova condição também obrigava que Natasha realizasse o teste de despistagem do coronavírus antes de poder regressar, que ainda não teve oportunidade de fazer.

"Os tribunais estão fechados", disse Natasha, que falou à AP sob a condição de não divulgar o apelido.

"Podemos chamar os nossos advogados, mas eles não podem fazer nada”, lamentou.

Celeste Bodner, diretora executiva da organização sem fins lucrativos FosterClub, que permite a crianças em acolhimento criarem amizades e fontes de apoio, considerou que as crises de saúde mental são um risco palpável, dado “o stress que a pandemia causa, sobreposto ao trauma preexistente” de perder a família.

Devido às regras de distanciamento social e de confinamento, para conter a pandemia, mantêm-se à distância os professores, técnicos e outros adultos, cujos olhos atentos eram um instrumento útil para avaliação do bem-estar das crianças em acolhimento.

O grupo de Bodner realiza reuniões ‘online’ para ajudar crianças adotivas a continuarem ligadas, numa altura em que perderam os canais de comunicação típicos que a escola e a socialização externa fornecem.

No entanto, as crianças em um orfanato podem ter menos acesso à tecnologia do que outros, disse a diretora da organização, destacando particularmente aquelas em serviços de acolhimento em grupo, onde o uso de dispositivos digitais pode ser limitado.

Apesar de as instituições de acolhimento serem o único local com capacidade de dar às crianças um ambiente estável, os defensores nos Estados Unidos pedem, há muito, a diminuição da dependência nessas instituições, que em setembro de 2018 acolhiam apenas 10% das mais de 437 mil crianças e jovens do sistema de acolhimento do país, segundo o Departamento de Saúde e Serviços Sociais.

As crianças abandonadas ficam em instalações de grupo ou em lares adotivos individuais enquanto aguardam a colocação a longo prazo (seja por adoção ou por retorno às suas famílias biológicas) ou até atingirem a maioridade e ficarem por conta própria.

A lei federal permite que os Estados continuem a fornecer benefícios de assistência social aos jovens maiores de 18 anos, pelo que muitos locais estendem alguns serviços até aos 21 anos.

Em resposta ao surto do novo coronavírus, vários governos estaduais optam por pagar o custo de manter os jovens adotados que ultrapassam a idade permitida e são obrigados a sair.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 297 mil mortos e infetou mais de 4,3 milhões de pessoas em 196 países e territórios.

Mais de 1,5 milhões de doentes foram considerados curados.

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4,5 mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), paralisando setores inteiros da economia mundial, num “grande confinamento” que vários países já começaram a aliviar face à diminuição dos novos contágios.

Os Estados Unidos são o país com mais mortos (84.136) e mais casos de infeção confirmados (cerca de 1,4 milhões).

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