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COVID-19: “Estamos a viver um tempo onde tudo é possível” - fotojornalista Alfredo Cunha

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08-05-2020 18:42h

Habituado a ver muito para além do preto e branco, Alfredo Cunha é sinónimo de perspicácia em cada retrato. Se há 46 anos as fotografias icónicas que tirou no Terreiro do Paço e no Chiado, ao jovem capitão Salgueiro Maia, são hoje dos melhores retractos do herói do 25 de Abril, o decano do fotojornalismo português aceitou agora mais um desafio lançado pela Câmara Municipal da Amadora para fazer o livro: “A cidade que não existia”, uma obra dedicada à história recente do município, que vai incluir um capítulo especial para documentar a realidade que se vive, por estes dias, motivada pela pandemia da COVID-19.

No ano em que completa 50 anos de carreira, o fotojornalista afirma que “Estamos a viver um tempo onde tudo é possível”, sentindo-se privilegiado, uma vez mais, por ter a oportunidade de fazer parte de um momento de exceção que ficará seguramente para a história do país e da humanidade.

Com os olhos treinados para o enquadramento perfeito, Alfredo Cunha sabe fugir dos ângulos mortos e ampliar como ninguém os pormenores que nos escapam na espuma dos dias. Cada “chapa” com a sua assinatura surpreende sempre, seja qual for a realidade. Por detrás da “arte” do mestre que se faz entre escolhas de luz, movimento e a abertura da lente imperam decisões bem mais ponderadas como “um rigoroso planeamento”, assegura com o tom profissional que sempre lhe conhecemos.

Nas últimas décadas, Alfredo Cunha foi testemunha privilegiada das mais profundas alterações na sociedade portuguesa. Do fim da ditadura ao nascimento da Democracia, passando pela adesão à Comunidade Europeia, ou o fim do comunismo de cariz soviético. O fotojornalista esteve sempre lá, com a sua máquina e objetivas, para imortalizar cimeiras, líderes nacionais e internacionais e testemunhar na primeira pessoa as mudanças do país e do mundo. De todas elas, nenhuma como a pandemia da COVID-19 teve tantas implicações e tantas consequências que nem mesmo os mais letrados em pandemias conseguem ainda prever com o devido rigor. Agora, o fotojornalista volta ao terreno reformado do jornalismo, mas a documentar como só ele sabe este novo normal da pandemia. Nos últimos dias, visitou cemitérios, onde se realizam funerais com três pessoas, centros de saúde e hospitais que diariamente recebem doentes suspeitos do novo coronavírus, bem como ruas vazias e lojas encerradas. A pandemia trouxe “uma estranha tensão latente” ao semblante dos portugueses, constata apreensivo.

Com o desconfinamento progressivo dos portugueses à porta, Alfredo Cunha alerta que não podemos “baixar a guarda” e que todos devemos ter cuidado, agora medo não. O medo paralisa-nos. De resto, o fotojornalista sempre viveu situações perigosas e sempre correu riscos, como o acidente de viação que teve na Roménia e lhe paralisou a vida durante um ano. Nesta, como em outras situações da vida, a cautela é a nossa melhor conselheira, defende.

Num longo e rico percurso profissional, Alfredo Cunha fotografou o que de mais importante aconteceu em Portugal, mas também no mundo. E nestes dias de pandemia da COVID-19, o fotojornalista recorda a experiência que teve em África durante o surto de Ébola. As diferenças entre uma realidade e a outra são para si evidentes, assegura.

Alfredo Cunha nasceu, em 1953, em Celorico da Beira e desde cedo tinha a certeza que não queria ser fotografo como o pai e o avô. A vida encarregou-se de o colocar no caminho profissional da família aos 20 anos. Durante o 25 de Abril, usou 40 rolos fotográficos para ilustrar a revolução dos cravos, mas hoje reconhece que deviam ter sido mais. Trabalhou como fotojornalista para o jornal Público (que ajudou a fundar), esteve nas agências noticiosas ANOP, ANP e mais tarde Agência Lusa, colaborou com as revistas Focus e Visão, jornal 24 horas, Comércio do Porto, Tal & Qual, Jornal de Notícias e fundou a Global Imagens. Foi fotografo oficial dos dois primeiros Presidentes da República na era democrática (General Ramalho Eanes e Mário Soares) que recorda sempre em histórias quotidianas, vividas em Lisboa, na Roménia ou em Cancun no México.

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