Os capelães hospitalares estão preocupados com a possibilidade de despenalização da eutanásia em Portugal, considerando que se está a caminhar para um “certo abismo que vai pôr em causa as gerações futuras”.
“A questão da eutanásia é uma questão muito séria. A Humanidade andou todo o tempo até agora com o princípio fundamental do respeito pela vida, da inviolabilidade da vida. Agora, em função do desejo privado, passa dessa defesa para a possibilidade de optar pela morte”, lamentou hoje o padre Fernando Leite Sampaio, coordenador nacional das capelanias hospitalares.
Para este sacerdote, a questão da eutanásia “vai trazer algumas dificuldades (…), fundamentalmente, dificuldades para os doentes”.
Fernando Sampaio, em declarações à Lusa à margem de um curso de formação de capelães hospitalares que decorre em Fátima, defendeu que “a melhor lei seria não haver lei”.
“Nós estamos a caminhar para um certo abismo, que vai pôr em causa as gerações futuras. Será que nós temos direito a fazer uma opção dessas?”, questionou, reconhecendo que os capelães vão ter de se “preparar para isso e, com humanidade, saber escutar os doentes”.
“Nós preparamo-nos para lidar com os doentes, sempre, nos contextos diferentes de situações espirituais e de situações éticas. Procuramos sempre preparar-nos, ter em atenção outro contexto que possa surgir, inclusivamente no diálogo com os profissionais [de saúde]”, disse Fernando Sampaio, face ao anúncio de alguns partidos políticos de que a eutanásia voltará a estar em debate na Assembleia da República no início de 2020.
Com a participação de 18 novos capelães, o curso que decorre em Fátima até quarta-feira procura ajudá-los a “situarem-se no contexto hospitalar”, tendo em conta que “existem especificidades próprias nos hospitais que não existem noutros contextos”, explicou o sacerdote.
Num hospital, “é necessário trabalhar a relação humana, nomeadamente a relação de ajuda, num cenário de conflito e de sofrimento”, acrescentou.
Com a rede de hospitais que integram o Serviço Nacional de Saúde sem problemas ao nível da presença de capelães, o mesmo não acontece com os hospitais privados.
Segundo Fernando Sampaio, os hospitais privados “não têm em conta as necessidades espirituais e religiosas dos doentes. Passam ao lado. Salvo algumas exceções, a maioria passa ao lado deste problema”.
“Por um lado, é falta de sensibilidade, e isso é um assunto sério, porque, por exemplo, sobretudo nos doentes graves, [a assistência espiritual e religiosa] ajuda o próprio doente a enfrentar o sofrimento. Por outro lado, também o que acontece é que, nos hospitais privados, muitas vezes as pessoas estão pouco tempo. São operadas e quase vão logo embora”, afirmou Fernando Sampaio à agência Lusa.
Acrescem, também, “questões económicas”.
Se o capelão está “ao serviço de uma instituição, é natural que a instituição o ressarcie”.
A assistência espiritual e religiosa “não é uma questão das igrejas, é um serviço que o hospital fornece aos doentes, porque os doentes, pelo facto de estarem internados, têm direito à sua prática de religião e culto”, disse o coordenador das capelanias hospitalares, para quem “o internamento não deve impedir a prática de religião e culto das pessoas, muito mais num tempo em que esse é um assunto sério para eles [doentes], é um assunto importante, no sentido da luta pela saúde”.
“Segundo a lei, a assistência espiritual e religiosa é tida como um direito do próprio doente. Aquilo que as igrejas fazem é colaborar com o hospital neste serviço”, concluiu Fernando Sampaio.