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Covid-19: Socióloga Ana Nunes de Almeida teme agravamento das desigualdades

LUSA
30-04-2020 09:40h

A socióloga Ana Nunes de Almeida vê com “muita apreensão” a situação provocada pela pandemia de covid-19, temendo que se agravem as desigualdades em Portugal, onde em 2017 quase um quarto das crianças vivia em pobreza.

“Estamos a navegar num mar muito revolto, um pouco em navegação à vista, em barcos muito diferentes, desde iates a pequenos botes de salvação. Há já pessoas que estão a afogar-se”, afirmou à Lusa a investigadora coordenadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.

“Acho que vamos sair desta fase numa situação de enorme vulnerabilidade, do ponto de vista económico e do ponto de vista das relações entre as pessoas”, acrescentou.

Para a investigadora, a crise hoje não pode ser pensada sem se perceber o país que existia antes, “um país marcado por fortes desigualdades”.

A pandemia e a crise, considerou, vêm não só por “a nú”, essas desigualdades, muitas vezes “invisíveis, latentes, discretas”, como as trazem agora para “a linha da frente”.

Ana Nunes de Almeida vê com preocupação o impacto que a pandemia terá na sociedade portuguesa, até pelos resultados de um primeiro inquérito online realizado na primeira semana do estado de emergência pela equipa constituída por investigadores do ICS e do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

“As pessoas que já estavam numa situação vulnerável economicamente antes da crise, agora a situação agravou-se. Havia já pessoas no desemprego, em lay-off, em férias forçadas”, relatou.

Nas respostas abertas, havia pessoas a confessarem que o mundo tinha “desabado” e a manifestarem “enormes preocupações” com a situação económica e financeira, com cuidados de saúde adiados, mesmo em situações de oncologia, e com o futuro dos filhos. “Enfim, um panorama muito sombrio, uma grande ansiedade”, constatou.

A sobrecarga das famílias, em especial das mulheres, é outras das preocupações da investigadora, a par da situação das crianças de meios sociais mais desfavorecidos.

“Antes da crise, um quarto das crianças portuguesas vivia na pobreza. Isto é um dado de 2017. Apesar de já termos saído daquele período negro da 'troika', ainda tínhamos cerca de um quarto das crianças que viviam em pobreza, com taxa de pobreza infantil”, frisa. “É uma coisa devastadora. Imagine-se o que é agora, com tantos pais e mães que perderam o emprego, que estão com a vida em suspenso”.

A investigadora confessa não saber como a sociedade portuguesa sairá desta crise, mas tem uma certeza: “Não vamos sair iguais. Vamos sair com fragilidades enormes no tecido social. Temo muito que se agravem as desigualdades”, declarou.

“É uma grande apreensão, realmente, e acho que há dramas pessoais que já se estão a viver, em termos de condições materiais de vida, que não se imagina. Não se imagina!”, lamentou.

Para as crianças, considera que é traumático o confinamento ao espaço doméstico, a privação do convívio com os amigos, a falta da vivência da escola, a constante vigilância e controlo pelos pais: “A casa agora é tudo. É a escola, é a cantina, é o local de trabalho, para todos os membros da família, ao mesmo tempo”.

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