Missionários evangélicos voaram de helicóptero até aldeias de indígenas isolados, na Amazónia brasileira, sem autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai), em plena pandemia provocada pelo novo coronavírus, avançou hoje a imprensa.
Segundo o jornal O Globo, num momento em que o Governo brasileiro tem publicado diversas medidas de forma a evitar a disseminação do novo coronavírus em povos originários, devido à sua vulnerabilidade face a doenças respiratórias, membros da "Missão Novas Tribos do Brasil" (MNTB) aterraram de helicóptero em aldeias indígenas do Vale do Javari, na Amazónia, naquela que é uma das áreas com maior concentração de povos isolados do mundo, colocando em risco a sua saúde.
A denominação de "povos indígenas isolados" refere-se especificamente a grupos indígenas com ausência de relações permanentes com a restante sociedade ou que interagem com pouca frequência com não índios ou com outros povos indígenas, segundo a Funai.
Questionado pelo jornal sobre quem teria cedido a autorização para a entrada em terras indígenas do Vale do Javari, o presidente da organização, Edward Luz, afirmou que teria partido das próprias lideranças dos povos Marubo, com quem já mantém contacto há mais de 40 anos.
"A comunidade indígena tem toda autoridade para dar permissão para a entrada de pessoas. Tem peso de lei", disse Edward Luz, evitando responder sobre que entidade teria autorizado os voos.
A Funai, entidade coordenadora e principal executora da política para os indígenas do Governo do Brasil, negou ter recebido qualquer notificação acerca do voo em causa que, segundo a MNTB, serviu para resgatar um missionário que se encontrava na região.
Porém, um agente de saúde local afirmou a O Globo que entre os últimos dias de março e primeiros dias de abril foram feitas, pelo menos, três viagens do mesmo helicóptero à região do Vale do Javari, uma região de difícil acesso.
O atual coordenador de índios isolados da Funai, Ricardo Lopes Dias, é um missionário ligado à MNTB, tendo o jornal apurado que, apesar do seu cargo, continua ativo nos bastidores das missões levadas a cabo pelo grupo evangélico.
A Missão Novas Tribos do Brasil é uma organização com origem nos Estados Unidos da América que promove a evangelização de indígenas brasileiros desde os anos 1950.
No mês passado, a justiça brasileira condenou um missionário evangélico da MNTB por cessão ilegal de arma de fogo a um indígena da etnia Zo’é, fixada na floresta Amazónia, considerando que foi colocada em risco a integridade física e cultural daquele povo.
O missionário foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2016, que afirmou que o homem fez parte dos esforços da MNTB para contactar e evangelizar o povo Zo’é, "iniciativa que provocou a morte de dezenas de indígenas e a expulsão dos missionários da região", que até hoje estão proibidos de voltar ao local.
Na sexta-feira, o Ministério da Saúde brasileiro lançou um plano para prevenir a disseminação do novo coronavírus em povos originários que, entre outros, indica uma série de orientações de atendimento de índios com sintomas de covid-19, assim como emite um pedido a adoção de medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas.
Na noite de quinta-feira, o governo do estado de Roraima confirmou a morte de um indígena brasileiro da etnia Yanomami, de 15 anos, que estava infetado pelo novo coronavírus.
Já no sábado, o Ministério da Saúde informou o óbito de mais dois indígenas por causa do novo coronavírus: uma indígena Kokama, de 44 anos, e um indígena da etnia Tikuna, de 78 anos, ambos internados em Manaus.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já provocou mais de 117 mil mortos e infetou quase 1,9 milhões de pessoas em 193 países e territórios.