As 100 pessoas que habitualmente compõem o compasso de Páscoa de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, serão substituídas no domingo por uma carrinha onde só o pároco local e um motorista poderão circular.
"Coloque uma colcha ou um pano branco na janela. Vá à janela ou à varanda. Mas fique em casa. Não venha à rua", é uma das frases que se lê no aviso colocado no ‘site' da igreja de S. Cristóvão de Mafamude que acompanha o anúncio de que no domingo, a partir das 15:00, o pároco percorrerá "as principais ruas da paróquia para fazer a tradicional bênção pascal".
Em declarações à agência Lusa, Jorge Duarte, padre há 26 anos em Mafamude, descreveu hoje que a operação irá envolver "no máximo, um motorista, a cruz de Cristo enfeitada e agentes da Polícia Municipal".
"Não para minha proteção, mas para evitar aglomerados de pessoas. A ideia é que assistam da janela e sem descer ao passeio", acrescentou.
Este será o compasso de Páscoa numa freguesia que fica no centro de Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, um compasso diferente do habitual devido às contingências da pandemia associada ao novo coronavírus que já infetou cerca de 1,4 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 80 mil.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde (DGS), registaram-se 380 mortes e 13.141 casos de infeções confirmadas.
Jorge Duarte "tem fé" que "as coisas melhorem em breve", mas argumenta que "nem a Páscoa ou as tradições podem servir de desculpa para perder o foco", ainda que já se tenha apercebido que "há pessoas cansadas do isolamento".
"Por isso é que decidi fazer este compasso especial. O domingo de Páscoa é muito marcante na vida das pessoas. Sejam ou não praticantes. O objetivo é que sintam a presença simbólica da cruz em suas casas, mas sem sair de casa. Acho que as pessoas vão obedecer", referiu à Lusa.
O pároco de S. Cristóvão de Mafamude conta com o apoio logístico e autorizações da Câmara de Vila Nova de Gaia, bem como da Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso.
Através de um compasso que será "totalmente diferente do habitual" numa paróquia que no ano passado teve 22 cruzes a sair à rua, cada uma com cerca de cinco pessoas, num total superior a uma centena, o padre Jorge Duarte quer "aliviar o isolamento dos paroquianos" e "dar esperança às famílias", estando, por isso, a preparar mensagens que serão emitidas por uma instalação sonora a colocar na carrinha dos bombeiros.
Com as celebrações e atividades habituais canceladas, Jorge Duarte celebra todas as semanas sozinho e à porta fechada uma missa na igreja de Mafamude, templo que abre à semana durante duas horas de manhã e outras tantas à tarde para deixar entrar "à vez paroquianos que queiram rezar".
"O horário é extremamente reduzido face ao normal e temos avisos espalhados por todo o lado. Não é permitido que estejam várias pessoas ao mesmo tempo. Faço-o porque há quem se sinta muito só. Já recebi telefonemas em que só disseram assim: senhor padre não quero nada. Era só para ouvir uma voz", conta, brincando com a ideia de que esta pandemia "vai render muito a psicólogos e psiquiatras no pós-crise".
Com uma igreja localizada no centro de um concelho que aparece hoje no relatório da DGS em terceiro com maior número de infetados (576), o pároco descreve um cenário "sereno e tranquilo", apontando que "não vê quase ninguém nas ruas" e acreditando que "apesar do muito cansaço a maioria das pessoas está a cumprir".
"Também a paróquia deu o exemplo", referiu à Lusa, contando que suspendeu "às primeiras notícias" a catequese, os ensaios do coro, e as atividades dos jovens e dos escuteiros, reduziu o horário dos serviços administrativos e só permanece, "e com regras", o serviço de voluntariado para entrega de cabazes a famílias carenciadas, num total de cerca de 80 a 90.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto associado ao novo coronavírus espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.