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Covid-19: Especialista em geriatria defende uso de hidroxicloroquina em lares

LUSA
08-04-2020 16:50h

O médico especialista em geriatria João Gorjão Clara defende que seja utilizada nos lares, em idosos com covid-19, a mesma medicação que é dada nos hospitais aos internados, em vez de se ficar à espera do agravamento da situação.

“É preciso tomar uma atitude positiva e atuante, em vez de simplesmente estar fechado em casa à espera que [a doença] passe ou a tratar os doentes com sintomas com paracetamol e esperar que a situação se agrave e que vão para o hospital a seguir, onde chegam com três ou quatro dias de evolução, e numa situação muito mais débil e mais difícil de controlar do que se a situação fosse abordada logo no inicio”, disse à Lusa o médico.

João Gorjão Clara, médico cardiologista e membro do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa da Medicina Interna, referia-se à associação de hidroxicloroquina com azitromicina, terapêutica ainda sem evidência científica que permita concluir da eficácia indiscutível em covid-19, porque a doença é muito recente, mas com evidência empírica, de tal modo que é a terapêutica usada nos hospitais, para os casos internados.

Por isso mesmo, e perante o flagelo das mortes de idosos em lares, o especialista não entende a resistência em utilizar a terapêutica nesta população, sublinhando que alguns pequenos ensaios já tem demonstrado que consegue “reduzir o tempo da doença e evitar a progressão da doença para uma situação muito mais grave, que é a da falência multiorgânica”.

“Esse trabalho, contestado porque não cumpre as regras da boa prática da investigação médica, tem sido referência e usado e replicado em muitos sítios do mundo com eficácia. Se nós não temos evidência científica suficiente para que possamos usar com segurança esta associação medicamentosa e este tratamento, o que é um facto é que é isso que se faz nos hospitais. Neste momento, o protocolo hospitalar para o tratamento dos doentes que lá chegam com covid-19 e sintomas é a associação dos dois fármacos”, afirmou o médico.

Essa tem sido a sua “luta”, porque não consegue compreender por que é “preciso chegar ao hospital para fazer essa terapêutica” e “por que é que não a usam cá fora e mais cedo”, ainda para mais sendo de fácil administração.

“Não é preciso injeções, nem pôr soro a correr, nem fazer administrações endovenosas, é dado por via oral, qualquer  pessoa consegue fazê-lo com facilidade, em qualquer sitio. Particularmente, pode ser administrado aos velhos que estão nos lares e que não têm tido este tipo de abordagem terapêutica”.

Na opinião do médico, essas pessoas deviam começar já a ser tratadas, com controlo médico, através de “equipas médicas devidamente protegidas”, que se deslocassem aos lares, que definissem quais os casos de covid-19 positivos, que os separassem dos outros utentes e que começassem a fazer a terapêutica.

“É preciso ter coragem de o fazer e arranjar [os medicamentos] em quantidade suficiente, que neste momento é difícil, para começar a atuar de maneira ativa e não ficar sentados a fazer paracetamol à espera que os doentes se agravem e depois encham as camas dos hospitais. Se o fármaco for eficaz, estamos a poupar vidas e a evitar que entrem doentes em catadupa nos hospitais, se não for, paciência, teve-se atitude ativa e não se perdeu tempo, que é o que está a acontecer”, lamentou.

Questionado sobre os riscos que a hidroxicloroquina pode ter para o coração, que tem sido uma das razões apontadas para justificar que se evite a sua utilização, o médico cardiologista afirma que é uma argumentação que “não colhe”, porque esse medicamento “foi prescrito durante anos” aos soldados que iam para áfrica e aos residentes portugueses em África, “todos faziam hidroxicloroquina”.

Hoje, qualquer pessoa que viaja para a Índia ou África e for à consulta do viajante, é-lhe prescrita essa medicação profilática por causa da malária, antes, durante e depois, e “ninguém se preocupa se vai fazer uma morte súbita”, acrescentou.

“A hidroxicloroquina, num número restrito de pessoas que tem uma determinada alteração congénita na condução elétrica ao nível do coração, pode provocar morte súbita, mas é um numero muito pequeno, e muito pequeno que nunca serviu de argumento para que os soldados não tomassem ou os residentes que lá viviam e que começaram a fazer em crianças e fizeram sempre, até virem para Portugal, durante 20 ou 30 anos sem que esse problema alguma vez se tivesse posto. É um falso argumento, não há nenhum medicamento que não tenha ações secundárias, e essa é rara”.

Quanto à azitromicina, é um antibiótico que todos os médicos usam há muito tempo para tratar infeções do trato respiratório, acrescentou.

Na opinião do especialista, o que sustenta a resistência ao uso da associação terapêutica para a covid-19 fora do meio hospitalar são os argumentos da evidência cientifica e os de ordem económica.

No primeiro caso porque, nos últimos anos a intervenção médica baseia a administração de terapêutica farmacológica em grande ensaios duplamente cegos e com amostra randomizada (medicina baseada na evidência), o que neste caso não aconteceu.

O segundo argumento prende-se com a falta de hidroxicloroquina no mercado para fazer face à pandemia, uma vez que a quantidade produzida é para doenças nas quais é atualmente utilizada, como é o caso da artrite reumatoide ou as autoimunes lúpus e síndrome de Sjögren.

Em Portugal, já morreram dezenas de idosos em lares com covid-19 e centenas estão infetados.

Na terça-feira, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas pediu que os hospitais deixem de devolver idosos infetados aos lares por estes não terem condições nem recursos.

Manuel Lemos considera que devolver um idoso com covid-19 ao lar significa "pôr a raposa dentro do galinheiro", porque os lares não têm condições nem estrutura" para tal e o "vírus propaga-se", e sublinha que “deixar ficar pessoas positivas nos lares de idosos sem se reforçarem os recursos de saúde não é digno”.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, surgiu na China e espalhou-se por todo o mundo, tendo já infetado mais de 1,4 milhões de pessoas, das quais morreram mais de 82 mil.​​​​​​​

Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 380 mortes e 13.141 casos de infeções confirmadas.

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