SAÚDE QUE SE VÊ

24 DIAS E CHOVE

Dias de chuva. Nunca gostei. Nunca me fizeram falta. Deprimem-me sempre e deixam-me o cabelo numa lástima. Sei que são precisos mas eu não preciso deles. Curiosamente, hoje dei por mim esperançada. Pensei que devia chover sempre. Até depois da Páscoa. Até ao fim. Se um vírus não chega para aguentar as pessoas em casa, que venha a chuva, que caia sem parar. Não há para onde ir. Fiquem em casa. Todos.

Hoje não abri as janelas. Nem tive vontade de inspirar o ar fresco. Virei costas a tudo o que me pudesse chegar do lado de fora. Honestamente, não quis saber. Gosto tanto de dias cinzentos como de segundas-feiras. Aquela coisa do ouvir a chuva lá fora, debaixo da manta? Nunca percebi. E hoje também não tive tempo de perceber porque a vida continua e tinha de trabalhar.

A casa, fechada, habitada ininterruptamente, há 24 dias, tornou-se escura. Pareceu-me demasiado escura, mesmo para um dia de chuva. Os miúdos mais lentos. Os gatos dormiram o dia inteiro. O cheiro das coisas e o nosso. Um silêncio maior. As horas arrastadas. Uma enorme mise en scéne em câmera lenta. A humidade a escorrer lá fora, um lastro de nostalgia vindo não sei de onde.

Hoje, custou. Andei assim, recolhida, como a paisagem bucólica, lá de fora. Vivo no campo. O nevoeiro caiu sobre o vale. Pensei na ameaça que pode ser aquilo que não vemos. Não vi os jovens coelhos a explorar o mundo. Sei que os pássaros se abrigaram na árvore, mais lá ao longe. Não ouvi o vento. A chuva caiu baixinha, sem grande alarido. Fiz o que tinha para fazer. Basicamente, sobrevivi a mais um dia.