SAÚDE QUE SE VÊ

O SONHO OLÍMPICO

Se a quarentena me trouxe algo de bom, foi poder dormir até mais tarde. E quando digo isto, não é ficar na cama até à hora de almoço. É dormir até às 8, 9 horas da manhã. A minha filha mais velha nada. Tem uma vida desgraçada e eu, como mãe, e por arrasto, tenho de me levantar para a levar aos treinos. 5 horas e já estamos a pé. Todos os dias, menos ao domingo. Uma violência para os pais. E para eles também.

Catarina

Esta época já está perdida. Para todos. Sem poderem nadar, os atletas tentam manter a condição física em treinos fora de água. Mas não é a mesma coisa. Por muito que se transforme o quarto ou a sala num ginásio improvisado, por mais banhos de imersão que se tomem para que o corpo mate saudades da piscina. Têm sido dias difíceis para a miúda. Para todos os colegas da equipa. Estas crianças, adolescentes e jovens adultos que abdicaram de tudo, em nome do desporto, sentem-se perdidos. E quando digo que abdicaram de tudo, é mesmo verdade. Para um atleta de competição, não há festas, não há dormidas fora de casa (sem ser em provas), não há comida de plástico. O tempo é contado ao minuto e sabiamente gerido. Há a escola, a piscina, a preparação física, a alimentação regrada, a fisioterapia, o estudo e o descanso. Só. Sempre. Todos os dias. Mesmo nas férias. Aqui em casa, desespera-se. E espera-se que a vida a devolva ao seu elemento, à água.

Ao percorrer as redes sociais, encontrei a Catarina Monteiro, uma nadadora portuguesa que irá, pela primeira vez, aos Jogos Olímpicos. Há um ano, por esta altura, a Catarina conseguiu. Soube-o assim que poisou a mão no painel da piscina. Assim que levou os olhos ao marcador de tempo, depois de nadar 200 metros em mariposa. 2 minutos, oito segundos e 40 centésimos. A marca de acesso à prova rainha. O passaporte para Tóquio. O sonho tornado realidade.

A Catarina está em casa. Com um sonho enorme. Adiado. As primeiras duas semanas fizeram lembrar-lhe uma lesão. Aquela paragem obrigatória, com sabor a dor e impotência. Parada. A seco. Dias difíceis e incertos. Depois, a boa nova. A Federação Portuguesa de Natação abriu uma lista, de exceção, que autoriza 75 nadadores de alto rendimento, e os seus treinadores, a prosseguirem os seus treinos.

A Catarina voltou à agua. Sozinha. E não se pense que sozinha é bom. Não. Mesmo sendo um desporto individual, os treinos são em equipa, um nadador precisa do grupo e da união que o faz ir mais além.

Por agora, é só ela e os 50 metros do Fluvial Vilacondense. Mantém o foco no fundo, segue a linha preta em toda a sua extensão. Pensa, não pensa, canta, nada, mais uma braçada até ao final do treino. É um sonho demasiado grande para ser vivido em isolamento, creio.

Tem a sorte de ter o treinador com ela. Mas não se tocam, falam-se de longe, guardam os abraços de um bom treino ou de um dia menos bom para quando a distância de segurança for coisa do passado. Chegam separados, saem de casa para a piscina a passo rápido e repetem-no à saída. O balneário é apenas zona de passagem. Os banhos tomam-se em casa. Com os pais e uma avó, os dias têm sido disciplinados. Disse-me que este isolamento lhe faz lembrar um estágio. Come, dorme, nada e faz exercício físico, com um plano traçado e readaptado às circunstâncias.

Desafiou os pais a juntarem-se a ela e na internet descobre novos desafios que tem feito, para se pôr à prova. Os dias são todos iguais nesta diferença em que todos vivemos.

Conhecida a decisão de adiar os Jogos Olímpicos, por um ano, a Catarina mantém bem presentes os seus objetivos. Já lá está, é nisso que pensa.
Um dia, levará a bandeira portuguesa bordada perto do coração. Um dia, vamos vê-la, pelas nossas televisões, a subir ao bloco da piscina olímpica e a nadar por e com Portugal.

O sonho está já ali, em 2021.
Afinal, o que importa demorar mais um ano para quem, como ela, passou uma vida inteira a lutar por ele?