SAÚDE QUE SE VÊ

A FADA DO LAR COLAPSOU

A quarentena levou a fada do lar que há em mim ao limite. A desgraçada colapsou. Um ataque de nervos brutal. Desde domingo que não sei onde anda mas, desconfio que foi a bater as asinhas para o mundo onde-tudo-é-perfeito-arrumado-e-cheira-a-rosas e que, tão cedo, não volta.

Ela bem tentou. Optimista, chegou com a energia de uma instrutora fitness e com ideias de arrumar tudo, de cozinhar refeições até meio da semana, fazer bolos. Ainda me convenceu a olhar para as gavetas e tentar a organização da roupa por tons, em degradé. Imprimiu um mapa de tarefas para quase tudo e todos.

Cheguei a ter pena dela. A sério. A fada do lar não percebeu que tudo o que eu queria fazer era… NADA. Depois de uma semana de adaptação, de ter assumido vários papéis em simultâneo, o de mãe, mulher, trabalhadora, dona de casa, cozinheira, professora, psicóloga infantil e por aí fora, precisava mesmo de desligar. Deixar de ser. Só estar. No sofá.

Iludida com a ideia de procastinação doméstica, deleguei tarefas aos miúdos. Arrumar muito bem os quartos, fazer muito bem feitinhas as caminhas, dobrar as peças de roupa espalhadas, limpar o pó dos móveis da sala e as casas de banho. E aqui começou o pesadelo. Não adiantarei muito porque quem tem pequenos em casa, consegue imaginar o filme. Direi apenas que tudo começou com a luta por um pano e acabou com cada um a chorar para o seu lado. Está tudo dito, não está? Também não preciso de dizer para quem é que sobrou, pois não?

À conta disto, a fada do lar, manhosa, continuava a atirar frases motivadoras como “não desistas” ou “vai para a cozinha e faz magia”, na esperança que me desse um ataque e desatasse a passar a ferro a tarde inteira. Não resultou. Nada. Nem um par de meias dobrei. Fiz um tacho de bolonhesa, atirei dois pacotes de pipocas para o microondas e reclamei o sofá. Planeei ver uma comédia romântica mas acabei com um filme de animação. Em português para não ter de ler as legendas em voz alta. Fiquei por ali, até escurecer, a ver a fada definhar lentamente.

Juro que lhe vi um brilho de esperança quando me levantei e percebi que as migalhas que tinha no chão da sala, eram tantas quantas as da Praça do Rossio, quando ainda era permitido dar milho aos pombos. Desapareceu de vez quando segui em frente, como se não fosse nada comigo.