SAÚDE QUE SE VÊ

OS VERBOS MAIS BONITOS

Estendi uma máquina de roupa no intervalo entre as aulas de matemática e de inglês. Tive de pedir à mais velha que baixasse o volume da música enquanto fazia exercícios de educação física, no quarto.

Preparei o almoço a tempo de o servir, por volta do meio dia e meia, na cantina cá de casa, que é a cozinha. Pelo meio, agendei uma entrevista via skype.

Arejei os quartos e fiz as camas. Tocaram à porta e eram os senhores do supermercado, com as compras que fiz há um mês, numa grande superfície.

Os gatos saltaram pela janela e foram passear, não sei deles, mas sei que voltam.

Ainda hoje, não sei quando e entre que tarefas, tenho de aspirar a casa. Todos os dias a mesma coisa, a mesma rotina. O cotão e os pólenes que chegam da rua, não me dão descanso. Se não o fizer, o meu marido não descansará esta noite, com um valente ataque de alergias. Viver no campo é bom mas não são só vantagens.

Estamos na época dos bichos pegajosos, como lhes chamo. Há lagartas pretas, Marias Café, nas paredes de fora. E lesmas que se arrastam vagarosamente pelo chão e, às vezes, pelas portas. Os gatos não querem saber delas e eu deixo-as estar. Do lado de fora.

Uma noite destas, vi o primeiro pirilampo. Cheguei perto e estive muito tempo a vê-lo piscar, no escuro. Também observei por algum tempo uma traça amarela, que me entrou na sala. Encurralei-a num copo plástico e soltei-a, como faço com todas as visitas inesperadas. Até com as toupeiras.

O dia da mãe está à porta e procuro uma forma bonita para compensar a minha ausência, na casa dos pais. Só vejo é sabonetes artesanais, flores e chocolates para oferecer. Tudo coisas acessórias quando um abraço sincero, era tudo o que se desejava. Render-me-ei a alguma das propostas mas ainda não me decidi, correndo o risco de não ir a tempo para garantir a entrega do que seja o que for.

Descongelei carne para o jantar. Tenho de hidratar este cabelo. Voltar a repetir à filha que a pilha de roupa que tem em cima da cómoda é para arrumar.

Não quero o skate no hall de entrada. Tenho de fazer transferências bancárias. Amanhã começo o meu turno de trabalho às 5 da tarde. Preciso de arroz basmati e de óleo de girassol. Tenho de levar umas coisas para a arrecadação.

Vi um avião. Há dias que não passava aqui nenhum. Gosto de me por ao sol da tarde. Já ganhei uma corzinha no rosto.

Tenho de. Preciso de. Façam isto.

De repente, a vida passou a ser medida por estas pequenas coisas. Pequeninas mas são as minhas. As que me conferem algum sentido de tempo e de ordem. Pergunto-me se serei a única. Creio que não. Neste momento, somos todos pequeninos nas nossas pequeninas rotinas. Não podemos ser mais. Ainda não.

Ao rever uma ficha de verbos de português, apercebi-me que os verbos mais bonitos são aqueles que pertencem à primeira conjugação: amar, sonhar, respirar. AcreditAR.