SAÚDE QUE SE VÊ

CARROCEL

Não que o calendário interesse muito agora mas chegámos aquele número que nos relembra que já é tempo a mais. 30 dias enfiados em casa. Confesso que a primeira semana soube a alívio. Por abrandar o ritmo louco em que todos andávamos. Por me recolher em casa, com os meus, com a certeza de que estavamos seguros. Creio que estavamos todos meio anestesiados, sem ainda perceber, ao certo, o que nos esperava.
 
A realidade veio de uma forma avassaladora. As novas rotinas, o caos, o reajustamento, quase diário, da vida. A convivência, o pouco tempo para o descanso. O teletrabalho e o trabalho em casa. E da casa.
 
Os dias sucedem-se com a mesma incerteza, numa cadência vagarosa. Tudo é feito com esforço. E muita paciência.
Balanços? Não faço. Sinto-me como se estivesse a rodopiar dentro da casinha da Dorothty e não há meio de aterrar em OZ, no Kansas ou noutro lado qualquer. Continuo a girar no olho no furacão.
 
Tentei fazer muitas coisas. Comecei-as a todas e poucas cumpri. Não vale a pena guardar as aulas que me prometem glúteos de aço até, porque, nem sei se iremos à praia este ano. Enervei-me com as dobras do cisne em origami e com os ovos da Páscoa feitos em pasta de papel. Não frequentei nenhum curso de fotografia online e o closet continua por arrumar.
A minha única preocupação é manter a sala sem migalhas, ter sopa para todas as refeições e não perder o foco de me arranjar, todos os dias, como se fosse sair. Recuso-me a andar de pijama.
 
Passou-se a Páscoa. Consegui ver os meus pais ,ao longe, e deu-me um aperto no coração por não os poder abraçar. Queria sentir a mão da minha mãe, o beijo, o cheiro e o calor. Fiquei-me pelas palavras. As poucas, porque custaram a sair.
Preparei uma mesa bonita, com coelhos e andorinhas e ovos pintados. Colhi flores do campo. Tentei trazer a primavera para casa. Os gatos comeram-na e vomitaram-na verde. Mas foi bonito. O almoço foi partilhado com a familia, em videochamada, com todos a fingir que aquilo era divertido. Não era. Não foi. Não será nunca enquanto não estivermos juntos.
 
As aulas começaram, entretanto. A mesa de refeições da sala foi transformada em local de trabalho. Olho à volta e só vejo computadores e lápis, folhas e cadernos. Parece um centro de operações. Mais uma carrada de nervos para mim, que convivo muito mal com a desorganização. Tive de aprender a relativizar. A fechar os olhos,para contar até 10, e não explodir e para fingir que não vejo a desarrumação. Não sei se será a estratégia ideal, mas comigo parece funcionar. Só penso na minha sanidade mental. Tenho de estar minimamente bem e forte para continuar a aguentar.
 
Os dias tornaram-se numa interminável viajem de carrocel. Ora vou montada na zebra ou sentada no carro de bombeiros e, na loucura, às vezes atiro-me para a chávena que roda e deixo de saber a quantas ando. O mundo continua a girar e eu só quero sair. Dá para parar isto? Estou enjoada.