O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN) alertou hoje para o risco de as USF C, geridas por privados, servirem para grupos internacionais entrarem em Portugal, com risco de perda de qualidade de cuidados.
“A informação que nós tivemos é que aquilo que o Estado estava a oferecer não chegava para realmente terem a margem de lucro que queriam”, disse à Lusa André Biscaia, sublinhando que estas unidades servem para que os grupos internacionais na área da saúde possam entrar no mercado em Portugal.
Dando o exemplo das Parcerias Público Privadas – que diz não terem sido tão lucrativas como se pensa pois parte das consultas nem foram remuneradas – afirmou: “ O governo muda, as prioridades mudam e eles ficam com o projeto, sem atualização de vencimento, sem a atualização da parte remuneratória”.
“O perigo é que vai haver alguém que vai aceitar e vai aceitar por um valor não lhe permite ter margem de lucro e, depois, o que é que vai fazer a seguir? Foi o que aconteceu no Reino Unido: vai começar a cortar na qualidade”, alertou.
O responsável deu o exemplo de um estudo publicado na Lancet que envolveu a análise de unidades de saúde no Reino Unido, à semelhança das USF de modelo C que o Governo pretende criar.
“Os médicos de família são muito caros e então arranjaram uma profissão que é ‘physicians assistant' [assistente médico] , com dois anos de formação e pensados para ajudar os médicos de família”, explicou, acrescentando: ”Primeiro faziam a triagem, aplicavam questionários, tudo isso. Depois, começaram a dar consulta e, de repente, estavam a dar alta às pessoas. E aumentou a mortalidade tratável”.
O especialista explicou que a mortalidade tratável “está diretamente relacionada com os cuidados prestados”, sublinhando: “se a qualidade [dos cuidados] fosse boa aquelas pessoas não morriam”.
“E o perigo é este: esmagar os preços, haver alguém que aceita e depois começa a cortar na qualidade. É este é o grande perigo”, alertou.
O Governo aprovou em setembro de 2024 o decreto-lei que cria os centros de saúde geridos pelos setores privado e social e pelas autarquias. Estavam previstos, numa primeira fase, 10 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve.
O plano do executivo para a Saúde previa que em julho de 2024 seriam colocadas a concurso as primeiras 20 USF-C, com o objetivo de “início de funções antes do final do ano”, o que não aconteceu.