Mais de 40% das Unidades de Saúde Familiar discordam da criação de Unidades Locais de Saúde, mas mais de metade consideram que se devem manter, separando e dando a mesma autonomia às áreas hospitalar e dos cuidados primários.
Segundo um estudo da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiares (USF-AN), que ouviu entre julho e setembro os coordenadores de 538 USF, apenas 27,2% das unidades se mostram de acordo com a reforma que levou à criação das 39 Unidades Locais de Saúde (ULS – que integram hospitais e centros de saúde), um ceticismo que é, contudo, inferior ao ano passado.
Quanto a cenários alternativos, apesar de grande parte discordar da sua criação, 67,1% dizem ser preferível manter as ULS, mas com duas áreas separadas e com o mesmo nível de autonomia.
“Aquilo que nós temos visto ao longo destes quase dois anos de implementação das unidades locais de saúde é que estas não estavam preparadas para receber os cuidados de saúde primários”, disse à Lusa o presidente da USF-AN.
André Biscaia explicou que se manteve “uma estrutura com uma cultura hospitalar”, a que se juntou os cuidados de saúde primários, “sem a devida preparação e o esforço de se conseguir acomodar uma realidade que é completamente diferente”.
“Não se consegue administrar um hospital como se administra os cuidados de saúde primários, e vice-versa”, afirmou.
Com a reforma das ULS, disse, assistiu-se “à desestruturação dos sistemas de apoio às USF e aos cuidados de saúde primários”, uma função que acabava por ser feita pelas antigas Administrações Regionais de Saúde (ARS).
Antes da reforma, havia “equipas regionais de apoio” e os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) “estavam todos virados para o apoio à atividade dos cuidados de saúde primários, mas com as ULS, “isso deixou de existir”, lamentou.
“As ULS foram feitas (…) à pressa e sem o mínimo de preparação”, afirmou André Biscaia, exemplificando: “Nos primeiros meses nem sequer processar o vencimento as USF sabiam”.
O responsável sublinhou a necessidade de melhor integração de cuidados de saúde, lembrando que um terço das ULS “não têm sequer manual de articulação”.
O estudo vinca a posição que já tinha sido exposta pela USF-AN relativamente à reforma das ULS, sublinhando que está a acontecer “a ritmos muito diferentes no país”, desde a consolidação plena do modelo até à existência de ULS “difusas e sem impacto visível nas equipas e nas populações”.
A satisfação com a ULS vai diminuindo nas USF inseridas em zonas de maior densidade populacional.
Apesar da criação das ULS - que surgiram com o intuito de melhor articular os cuidados primários e hospitalares -, as USF dizem que esta articulação com os hospitais se mantém como “uma das maiores fragilidades”, ainda que com uma ligeira melhoria face a 2024.
O estudo mostra que a maioria dos centros de saúde é favorável a medidas que retiram tarefas administrativas/repetitivas das USF e que criam respostas especializadas, como os centros para atestados de carta de condução (95,4% de acordo), as equipas de apoio médico aos lares (85,1%) e os centros de atendimento para episódios agudos (79%).
São igualmente a favor dos centros de rastreio oncológico (cancros colorretal, mama e colo do útero) com equipas próprias (72,0%), das equipas de acompanhamento individual pontual/temporário para utentes sem inscrição nas USF (78,2%) e da criação de uma bolsa de profissionais para cobrir ausências superiores a duas semanas ao nível da ULS (88,7%).
Os dados recolhidos mostram que nunca houve tantas candidaturas a novas USF e que, se todas se concretizarem este ano, serão mais 300.000 utentes com equipa de saúde familiar.
A 31 de dezembro de 2023 existiam 55 Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS), que deram lugar a 39 ULS.
Atualmente – dados a 12 de outubro -, existem 695 USF (665 em 2024), 256 Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) e 298 Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC).
Nesta evolução destaca-se o aumento do número de USF modelo B (pagamento por objetivos), que passaram de 348 para 665.