As ordens dos médicos, psicólogos e farmacêuticos alertaram hoje para a regulação de psicadélicos em uso clínico, baseando-se na “melhor evidência científica” com rigor e ética, e para a formação específica dos profissionais de saúde.
“O que nos parece essencial é que, para serem utilizadas com fins terapêuticos, estas substâncias têm (…) de ter evidência clínica robusta, evidência científica robusta. Isso ainda não existe, apesar de tudo o que tem sido a investigação realizada”, disse a presidente do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos (OM).
Manuela Silva manifestou também a preocupação de que, quando forem comercializadas, estas substâncias devem ser enquadradas como medicamentos.
A responsável falava hoje em representação do bastonário da OM, Carlos Cortes, na apresentação de um conjunto de recomendações multidisciplinares sobre o uso clínico de substâncias psicadélicas, no Auditório da Fundação Champalimaud, em Lisboa.
De acordo com Manuela Silva, as substâncias devem estar “enquadradas em legislação e em regulamentação” com informação “muito clara” sobre a sua eficácia e eficiência, bem como o seu perfil de segurança.
“Para que estas substâncias sejam utilizadas na clínica, quando forem, julgamos que o papel dos profissionais médicos é central e têm de ter formação específica e complementar (…) para utilizar estas substâncias”, afirmou, acrescentando que os médicos “são essenciais no processo de tomada de decisões em relação (…) à indicação clínica” na prescrição.
A presidente do Colégio de Psiquiatria da OM reforçou que deve haver contributos para que “a formação dos psiquiatras seja de qualidade”, realçando que a literacia e a informação que a população tem acesso devem ser melhoradas.
Já a bastonária da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Sofia Ramalho, que interveio por videoconferência, disse reconhecer “o potencial terapêutico” das novas substâncias, defendendo “um caminho pautado pela ética, pela ciência e pelos direitos das pessoas”.
“O uso de psicadélicos não é apenas uma dimensão, um método farmacológico, mas assenta em intervenções médicas e psicológicas bastante complexas e exige uma formação especializada, para que se assuma a responsabilidade profissional dos associados a estas profissões”, observou.
Sofia Ramalho sublinhou que “é necessário salvaguardar a autonomia, o consentimento informado, a dignidade humana”.
“Isso implica estarmos alerta e definirmos regrar para reduzir os riscos, por exemplo, da banalização, da própria mercantilização, e também da desigualdade no acesso à intervenção médica e psicológica, porque este acesso deve ser equitativo e orientado, acima de tudo, para aquilo que é o interesse público”, ressalvou.
Também o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), Helder Mota Filipe, considerou que, do ponto de vista da utilização clínica, não há “muitas opções de abordagem destas substâncias relativamente ao tratamento de uma indicação terapêutica”.
“A legislação europeia é clara e a legislação europeia aplica-se a Portugal. E diz que qualquer substância que sirva para diagnosticar, tratar ou prevenir uma doença e que atua por via farmacológica, imunológica ou metabólica, não pode ser outra coisa senão medicamento. E portanto, as substâncias psicadélicas atuam desta forma e portanto não podem ser outra coisa senão medicamentos”, destacou.
Sendo assim, segundo Helder Mota Filipe, “há um conjunto de regras” que devem ser aplicadas às substâncias psicadélicas, de modo a promover uma utilização adequada.
“Cada substância ativa é uma substância ativa, cada substância ativa tem que gerar evidência que demonstre o benefício e o risco dessa substância ativa em determinar a indicação terapêutica”, sustentou.
Antes, o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), João Bessa, apresentou os fundamentos científicos e a relevância clínica das substâncias psicadélicas.
Por seu turno, a presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Maria do Céu Patrão Neves, abordou os aspetos éticos associados ao uso de psicadélicos, indicando ser importante “aprofundar a investigação” e “desenvolver comunicações estratégicas”, bem como reforçar a fiscalização.
O documento com as orientações clínicas para o uso de substâncias psicadélicas teve a contribuição das ordens dos médicos, farmacêuticos e psicólogos, assim como do CNECV e da SPPSM, refletindo o trabalho conjunto destas estruturas ao longo de quase dois anos.
Hoje, o Infarmed aprovou o financiamento público do primeiro medicamento com escetamina, um psicadélico, para ser usado em meio hospitalar em adultos com depressão grave.