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Mães que perderam bebés queixam-se do silêncio das autoridades cabo-verdianas

LUSA
28-04-2025 09:27h

Mães que perderam bebés prematuros no principal hospital de Cabo Verde queixam-se de continuar sem respostas, criticam o silêncio das autoridades e a ausência de apoio emocional, cerca de dois meses após as mortes.

"Ninguém me ligou. Fui ao hospital, mas não consegui falar com o médico da neonatologia", diz à Lusa Larissa Borges, de 24 anos, que perdeu a filha em 05 de março, no Hospital Universitário Agostinho Neto (HUAN), na cidade da Praia.

A bebé nasceu prematuramente, em 07 de fevereiro, foi colocada numa incubadora e, dez dias depois, Larissa soube, através do pessoal do hospital, que "todos os recém-nascidos" naquela unidade tinham contraído uma infeção.

"Eu e mais uma mãe tentámos correr atrás de explicações. As outras não quiseram e não chegámos a apresentar queixa. Mas a justiça também não adianta: eles abafam os casos, já nem sei o que fazer", refere.

Larissa Borges afirma que não vai desistir de procurar uma explicação e queixa-se de não ter recebido nenhum apoio psicológico.

"É preciso mais respeito e mais investimento na saúde", apela, pedindo que haja, pelo menos, a dignidade de prestar explicações.

"Que haja diálogo, que nos deem apoio. Ficar sem saber o que aconteceu é ainda mais doloroso", lamenta, recordando que após reparar que os pés da filha tinham ficado roxos e posteriormente negros, apenas uma médica cubana confirmou que era uma infeção, mas sem clarificar possíveis origens.

Larissa ainda guarda em casa tudo o que tinha preparado para receber a filha.

Yara Ramos, de 26 anos, perdeu o filho em 03 de março e, tal como Larissa, também lamenta o silêncio.

"Ainda espero uma resposta. Mas acho que nunca a vamos ter", conta, afirmando que não apresentou queixa, porque a sua saúde mental "não aguenta mais".

"A justiça não vai resolver [a perda]. Se eu não seguir com a minha vida, entro em depressão", diz.

Yara ligou várias vezes para o hospital, mas nunca ninguém a atendeu.

"Ainda estou abalada. Mas já fui a um psicólogo para começar um tratamento", refere.

Esta mãe deu à luz em 05 de fevereiro, por cesariana, e o bebé tinha baixo peso, sendo colocado numa incubadora, contraindo igualmente uma infeção.

A Lusa fez vários contactos para obter esclarecimentos junto do Governo, do Ministério da Saúde e do hospital, mas não obteve respostas.

O sociólogo Henrique Varela disse à Lusa que a perda de um bebé é "um choque emocional profundo" e que as famílias devem ser respeitadas.

"A tristeza precisa de ser acolhida para que os pais se recomponham emocionalmente", afirma, considerando que nestes casos, "é essencial promover empatia".

"O ambiente hospitalar deve inspirar acolhimento, proteção e incentivo", acrescenta, referindo que as instituições devem cumprir códigos de ética e de conduta e que "a responsabilização deve existir sempre".

Em março, a ministra de Estado, Janine Lélis, confirmou no parlamento a morte de cinco recém-nascidos, no mês anterior, após o aumento da taxa de partos prematuros – entre 25 e 31 semanas – e de bebés com baixo peso, entre 870 e 1.870 gramas.

Três das mortes foram atribuídas a infeções neonatais precoces de origem materna e duas a complicações da prematuridade.

O assunto foi levantado pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), maior força da oposição, que exigiu esclarecimentos sobre um alegado surto de infeções neonatais no hospital.

O Governo reativou em 07 de abril a Comissão Nacional de Vigilância e Resposta a Óbito Materno para investigar mortes maternas e perinatais e propor melhorias no sistema de saúde.

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