As consultas de planeamento familiar deviam ser asseguradas por uma equipa multidisciplinar para melhorar o acesso aos utentes e combater a sobrecarga nos cuidados de saúde primários, defendeu hoje a presidente da Associação para o Planeamento da Família (APF).
No Dia Mundial da Saúde, este ano dedicado à saúde materna e neonatal, com o tema "Inícios Saudáveis, Futuros Cheios de Esperança", Maria José Alves falou, em entrevista à agência Lusa, falou dos desafios no acesso aos cuidados de saúde num cenário de crescente diversidade cultural.
Segundo a presidente da APF, existe, neste momento, “uma maior dificuldade no acesso às consultas em geral e, nomeadamente, às de planeamento familiar”, sublinhando que os médicos de família estão “muito sobrecarregados”.
Para combater esta situação, defendeu ser preciso “mudar um bocadinho” a forma como são disponibilizados alguns cuidados, afirmando que na área do planeamento familiar não será muito difícil de fazer.
“Temos que pensar nas consultas de planeamento familiar ou nas consultas de contraceção, como queira chamar, ou de saúde sexual e reprodutiva, como uma consulta de equipa”, não dependendo exclusivamente de médicos.
Essas equipas devem ser compostas por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, o que contribuiria para um atendimento mais personalizado, tendo em consideração as diversas realidades culturais e sociais de cada utente.
“Neste momento, tanto o planeamento o familiar, como a gravidez, como o puerpério, como, por exemplo, a necessidade de recorrer à interrupção voluntária de gravidez, são consideradas questões ligadas com a saúde pública e, portanto, todas as pessoas, imigrantes ou não, documentadas ou não documentadas, têm direito a aceder a estes serviços”, defendeu.
No seu entender, esta abordagem multidisciplinar facilitaria não só o acesso ao planeamento familiar como motivaria os profissionais, que ficariam “menos sobrecarregados”, evitando situações de ‘burnout’.
Observou que se esta consulta depender apenas dos médicos, não se conseguirá dar resposta a todos, “por muito esforço que se faça”, além de que os especialistas não se formam de um dia para o outro.
Questionada sobre os desafios atuais nesta área, a médica apontou além das questões que afetam a população portuguesa, o atendimento a imigrantes.
As populações migrantes são “um desafio grande” para os profissionais, “mas são um desafio bom” e uma “questão muito importante de que se deve falar imenso”.
Maria José Alves disse que a questão, neste momento, é haver migrantes com quem os profissionais estão a contactar e a aprender pela primeira vez.
“A imigração é o novo desafio e vai trazer-nos seguramente mais aprendizagens, mas também dificuldades. Uma delas é entender estas populações e falarmos uns com os outros”, disse.
Outra questão está relacionada com o acesso ao Serviço Nacional de Saúde. Embora todos tenham direito ao acesso a cuidados de saúde, independentemente de estarem ou não indocumentados, existem obstáculos administrativos, como o período de 90 dias exigido para que possam solicitar um número de utente.
“Acho que há muitos locais onde estas coisas são muito facilitadas e, entendendo-se como um cuidado de saúde urgente, as pessoas têm, obviamente, direito a eles. Mas isto às vezes pode ser uma dificuldade, até porque algumas pessoas podem ter algum medo de recorrer aos cuidados de saúde, por serem denunciadas, por não terem documentos, por serem ilegais, etc.”, salientou.
A responsável apontou também as desigualdades geográficas no acesso da população aos cuidados de saúde, nomeadamente nas grandes cidades, onde há uma densidade populacional muito grande da população, inclusivamente de imigrantes, e um grande número de pessoas sem médico de família e casos em que nem estão inscritos num centro de saúde.
“Essas pessoas têm realmente uma grande dificuldade de aceder a cuidados de saúde que são importantíssimos e que deviam ser relevantes como o planeamento familiar”, defendeu.
Destacou ainda a importância de “insistir na literacia da população” para as questões relacionadas com a saúde sexual e reprodutiva, começando nas escolas.
“É muito importante também falar com os jovens, discutir, e perceber a ideia que têm acerca do que é ter um projeto de maternidade, educar um filho, viver com ele, integrá-lo na sua vida e ajudá-lo a crescer”, disse, sublinhando que a APF realiza este trabalho nas escolas.