O sociólogo guineense Miguel de Barros afirmou hoje que a falta de condições laborais e salariais está a empurrar os médicos do setor público para o privado na Guiné-Bissau, agravando aaida mais a resposta estatal no país.
“Os médicos estão a recorrer ao setor privado, porque assim têm garantias de salário”, afirmou Miguel de Barros durante a sua intervenção no segundo dia do seminário internacional sobre os Cuidados de Saúde Primários nos Estados-membros da CPLP, que decorre em Lisboa.
Na mesa redonda dedicada ao papel da sociedade civil no fortalecimento dos cuidados de saúde primários nos nove países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Miguel de Barros sublinhou o papel das organizações não-governamentais na prestação de cuidados de saúde em Estados como a Guiné-Bissau.
“No contexto africano, o apoio da sociedade civil não é complementar, nem paliativo; é estruturante”, afirmou o também diretor executivo da organização não-governamental guineense Tiniguena, acrescentando: Se tirarmos o papel das organizações não-governamentais do sistema de saúde, o sistema para”.
E alertou para o negócio em que a saúde se tornou na Guiné-Bissau - tal como em outros países, incluindo Portugal -, como demonstra a privatização de vários serviços públicos.
“Não pode haver sustentabilidade quando os setores públicos são privatizados”, afirmou, lamentando que o financiamento público da saúde na Guiné-Bissau não vá além dos 12%.
Sobre o investimento internacional, nomeadamente o apoio direto que chega através das várias agências das Nações Unidas, o sociólogo refere que nem sempre é orientado no sentido das prioridades nacionais.
E deu o exemplo das principais causas de morte na Guiné-Bissau, que são a mortalidade maternoinfantil e a malária. Apesar disso, o maior apoio financeiro internacional é direcionado para o VIH/Sida.
Quando o financiamento é exterior, nem sempre é dirigido para as necessidades nacionais, adiantou.
Ahmed Zaky, administrador executivo e diretor de projetos do Instituto Marquês de Valle Flor, levou ao seminário os resultados obtidos no trabalho que esta organização desenvolveu em São Tomé e Príncipe e na Guiné-Bissau.
E contou como os cuidados de saúde primários (centros de saúde) em São Tomé e Príncipe tiveram, e ainda têm, um papel determinante na resposta mais rápida e mais barata à população.
Na Guiné-Bissau, disse, as medidas desenvolvidas por esta organização permitiram que a taxa de mortalidade infantil (em crianças com menos de cinco anos) baixasse 63%.
Contudo, alertou para a necessidade da sustentabilidade das medidas, pois estes resultados serão passageiros, caso os Governos não os apoiem com o financiamento adequado”.
“O desenvolvimento não é um projeto, é um processo”, concluiu, enumerando os seis pilares que devem ser a sua base: governação, financiamento, recursos humanos, sistema de aprovisionamento, infraestruturas, sistema de informação, fatores de contexto (como a situação sócio económica, o perfil epidemiológico, a geografia e acesso).
O seminário decorre até sexta-feira e conta com representantes dos nove Estados-membros, que estão a partilhar as respetivas características sanitárias, que diferem muito de país para país.
O encontro é organizado pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade NOVA de Lisboa (IHMT NOVA) e pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), em parceria com o secretariado executivo da CPLP.