Os coordenadores dos centros de saúde de quatro Unidades Locais de Saúde (ULS) do país alertaram que as fragilidades de gestão das ULS podem ter implicações para os utentes, lê-se numa carta a que a Lusa teve hoje acesso.
Numa carta enviada à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, os profissionais das ULS São João e Santo António (Porto), bem como de Coimbra e São José (Lisboa), quatro das maiores unidades do país dizem que são “por demais evidentes as fragilidades que se continuam a verificar nos processos de gestão, com implicações diretas na prestação de cuidados aos utentes”.
“A generalização deste modelo a todo o território nacional, sem a necessária preparação e robustez científica que a suporte, está a comprometer o percurso da melhoria progressiva na prestação de cuidados de saúde que se verificou nos últimos anos nos CSP [cuidados de saúde primários], traduzidos em indicadores de excelência que são públicos”, lê-se na carta.
A missiva dirigida a Ana Paula Martins é assinada por profissionais de quase oito dezenas de unidades de saúde familiares (USF) e unidades de cuidados na comunidade (UCC) de todo o país, uma Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP), e três Equipas Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP).
Os profissionais apontam que as estruturas dirigentes das ULS universitárias “demonstram um desconhecimento profundo das especificidades dos CSP, tanto ao nível das diferentes culturas organizacionais, como das realidades sociais e geográficas em que estes operam” e questionam a “pouca representatividade dos CSP nos conselhos de administração”.
“[Esta realidade] acentua este desfasamento que leva à implementação de decisões, que frequentemente ignoram a realidade local e dificultam a resposta adequada às necessidades da população”, lamentam.
Em causa está a junção, em ULS, dos cuidados de saúde primários e dos centros hospitalares, medida levada a cabo pela anterior Direção-Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) liderada por Fernando Araújo.
Esta carta conjunta surge após outras enviadas pelos coordenadores dos centros de saúde dos ex-agrupamentos de centros de saúde Porto Ocidental, Gondomar, Coimbra e Lisboa Central.
Os signatários criticam, ainda, “a gestão verticalizada”, considerando que se reflete em “perda efetiva de autonomia dos CSP”, algo que, dizem, “tem resultado numa articulação bastante complexa e num aumento da burocracia a vários níveis”.
“A acessibilidade e a proximidade aos centros de decisão sem o controle burocrático característico do modelo ULS são essenciais para que não se verifiquem os atrasos sucessivos e a incapacidade de resposta dos serviços que suportam os CSP”, consideram.
Recordando que o atual Governo assumiu o compromisso de reponderar a configuração, os modelos de organização e de gestão e a estratégia de inserção na rede do SNS das ULS, estes profissionais saúdam a criação da Comissão Técnica Independente (CTI) liderada pelo Adalberto Campos Fernandes, mas revela “estupefação pela incompreensível ausência de elementos dos CSP”.
“Desta forma, questionamos, como não podemos sentir-nos secundarizados quando analisamos a constituição desta comissão? Queremos que fique claro que não está em causa o reconhecimento técnico dos profissionais que a constituem, mas sim a sua capacidade de entender o contexto específico dos CSP”, questionam.
Os coordenadores lamentam o “afastamento total dos CSP de uma comissão técnica que irá avaliar e provavelmente propor medidas sobre o futuro da organização ULS universitária” porque “perpetua uma lógica de liderança hospitalar que compromete a autonomia dos CSP”.
O novo modelo organizativo do SNS entrou em vigor em 01 de janeiro.
A reestruturação, que na prática se traduz na integração numa só estrutura dos centros de saúde e dos hospitais, tirando os especializados como centros de oncologia, foi ditada pelo decreto-lei 102/2023, de 07 de novembro.