Os ministros do Interior francês e alemã defenderam hoje uma revisão da legislação sobre deportação de migrantes, considerando que a lei atual é ineficaz e admitindo a criação de centros de transferência para fora da União Europeia.
A França “não descarta qualquer solução ‘a priori’”, sublinhou o ministro francês do Interior, Bruno Retailleau, à chegada ao Luxemburgo, onde os ministros europeus irão discutir hoje uma controversa proposta apresentada pela Hungria e pela Itália para criação de centros de transferência de migrantes fora da União Europeia (UE).
“Devem ser discutidas todas as soluções inovadoras”, afirmou o recém-nomeado ministro francês, sublinhando a “necessidade de rever a ‘diretiva regresso’ de 2008”, legislação europeia que harmoniza as regras relativas às deportações.
O ministro francês considerou que este texto torna “quase impossível” ordenar o regresso dos migrantes e assinalou a existência de “uma convergência” sobre o assunto no seio da UE.
Também a ministra alemã do Interior, Nancy Feaser, considerou que é necessária uma revisão da política de regressos, já que a legislação atual, que está em vigor há seis anos, “não funcionou” e defendeu que assinar acordos com países terceiros para que o regresso dos migrantes “é eficaz”.
A “política de regressos” vai ser hoje um dos temas de um almoço de trabalho entre os ministros do Interior dos 27, que inclui um debate sobre uma proposta apresentada pela Hungria e pela Itália para criação de mais centros de transferência.
Estes “centros” em debate inspiram-se no polémico acordo celebrado entre o Governo da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, líder do partido pós-fascista Fratelli d’Italia, com a Albânia, onde dois centros recebem migrantes detidos nas costas italianas.
A proposta recorda ainda o plano recentemente abandonado pelo Reino Unido para expulsar para o Ruanda os migrantes que chegavam ilegalmente ao país europeu.
Embora, segundo fontes diplomáticas citadas pela agência de notícias francesa AFP, seja pouco provável que a proposta seja aprovada, a sua discussão ilustra o endurecimento do tom sobre a migração na Europa, num contexto de uma vaga da extrema-direita.
“Há uma manifestação política” na Europa, “porque há uma enorme pressão dos partidos de extrema-direita. No entanto, não estamos na crise migratória de 2015”, avaliou a analista Sophie Pornschlegel, do ‘think tank’ Europe Jacques Delors.
No início da semana, a Hungria, do nacionalista Viktor Orbán, pediu a Bruxelas uma isenção das regras da UE em matéria de asilo, seguindo os passos dos Países Baixos.
Na Alemanha, depois da emoção suscitada pelos ataques islamistas e face aos sucessos eleitorais da AfD (extrema-direita), o Governo do social-democrata Olaf Scholz restabeleceu os controlos em todas as suas fronteiras por um período de seis meses.
Violando o princípio da “livre circulação”, a decisão não é proibida pelas regras de Schengen, mas constitui um embaraço para a Comissão Europeia, que sublinha que tais medidas devem manter-se “excecionais e proporcionais”, sendo que a suspensão dessa liberdade só foi aprovada de forma abrangente durante a pandemia de Covid-19.
Os ministros francês e alemã também convergiram num pedido para antecipar a entrada em vigor do Pacto europeu sobre Migrações e Asilo, assinado em maio e previsto para começar a funcionar a meio de 2026.
O pedido de antecipação já tinha sido defendido na quarta-feira pela Espanha.
O primeiro-ministro espanhol, que enfrenta uma pressão crescente devido ao aumento de chegadas de migrantes irregulares às Canárias, defendeu que a entrada em vigor do pacto europeu seja antecipada para o verão de 2025.
Nancy Feaser esteve, hoje de manhã, num encontro bilateral com o seu homólogo espanhol, para concertar posições e garantiu que “a prioridade” do seu país é que a União Europeia aplique o novo pacto “o mais rapidamente possível”.
Segundo o instituto europeu de estatísticas (Eurostat), 484.160 nacionais de países terceiros foram obrigados a abandonar a UE no ano passado e 91.465 (18,9%) foram efetivamente repatriados.
A questão das migrações será discutida de forma mais ampla numa cimeira a realizar entre 17 e 18 de outubro, em Bruxelas, onde os chefes de Estado e de Governo deverão abordar, nomeadamente, o reforço dos controlos nas fronteiras externas da UE e a aceleração dos regressos.