Ricardo Oliveira sobreviveu no ano passado a um cancro no intestino e hoje assume a missão de alertar para o rastreio dos tumores dos órgãos digestivos, que matam 30 portugueses por dia, mais de 10.000 por ano.
Aos 48 anos, Ricardo trabalhava nos Estados Unidos quando lhe foi diagnosticado um cancro no intestino, após um exame de rotina e por “mera intuição” da médica norte-americana, que associou a idade a outros indicadores.
À Lusa, nas vésperas do Dia Nacional do Cancro Digestivo que se assinada segunda-feira, conta uma “história de sucesso” de quem sobreviveu porque “foi muito abençoado”, mas também porque enfrentou o problema de frente.
“Fiz o exame do sangue oculto das fezes. Fiz por descargo de consciência. Deu positivo e falei logo com o gastrenterologista. Este cancro não apresenta indícios até ao momento em que está muito mal”, diz.
Entre o diagnóstico e a cirurgia passou um mês e pouco. Pai de duas crianças de 11 e 8 anos, Ricardo tinha a mudança para Portugal planeada e o facto de, nos Estados Unidos, um feriado nacional lhe poder adiar a junta médica que lhe definiria o tratamento, fê-lo precipitar o regresso.
“É que um compasso de espera de quase duas semanas para doentes oncológicos parece duas décadas”, aponta.
Conseguiu “rapidamente” acompanhamento na Fundação Champalimaud, em Lisboa, e, feita a cirurgia, recuperou “muito bem” sem necessitar de rádio nem quimioterapia.
Ricardo sabe que a sua sorte não é comum, pelo que sente que é sua missão alertar para a importância dos rastreios e dos sinais de alerta.
“Façam rastreio. Sei que há tabus associados a estes exames, sobretudo nos homens. Não há dor. Não é fantástico, mas é fantástico. Dormimos durante meia hora ou 45 minutos, acordamos, dão-nos um cafezinho, um chá e um bolo e podemos estar a salvar-nos. O tabu sexual também não deve existir. Nada muda. Não tenham medo”, sublinha.
Este é também o apelo de entidades ligadas ao setor. A Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia (SPG) quer que na porta de entrada do Serviço Nacional de Saúde (SNS), os médicos de Medicina Geral e Familiar disponham de tempo de consulta suficiente para conseguirem averiguar e detetar precocemente os tumores e, nos casos em que existe rastreio instituído, como é o caso do cancro do intestino, as pessoas sejam incentivadas a aderir.
Em entrevista à Lusa, o presidente da SPG, Pedro Narra Figueiredo, sublinha que “nem todos os cancros digestivos são preveníveis, mas alguns são”, razão pela qual pede “atenção redobrada por parte dos médicos de família a sinais de alarme”.
“Uma alteração dos hábitos intestinais, uma perda de sangue, uma anemia, uma dor abdominal, são sintomas que devem criar alertas. Devem ser solicitados exames complementares de diagnóstico”, frisa.
Para o presidente da SPG, “a função dos médicos gastrenterologistas é fundamental no sentido de prevenir, diagnosticar e, nalguns casos, tratar estas doenças”.
“Em Portugal, um terço de todos os cancros são do aparelho digestivo”, sendo os principais o esófago, estômago, pâncreas, fígado, cólon e reto.
Anualmente, os cancros digestivos “são responsáveis por cerca de 10% das mortes, em que o cancro do estômago, do cólon e doenças do fígado são responsáveis por três de 10 causas principais de morte”, acrescenta.
Já o presidente da Europacolon Portugal - Associação de Apoio ao Doente com Cancro Digestivo, Vítor Neves, acredita que o poder político, “seja de que cor for”, pode fazer mais, até porque a sua experiência diz-lhe que as pessoas aderem ao rastreio quando bem informadas e motivadas.
“No ano passado houve uma ação em três bairros críticos de Lisboa (Cova da Moura, Casal da Ria e Alfarelos) com um camião dentro dos bairros que teve uma adesão ao rastreio do cancro do intestino de cerca de 75%. As pessoas, se forem envolvidas, colaboram e as taxas de adesão são altas”, defende.
Recordando que o investimento na prevenção do cancro digestivo é uma das indicações da Comissão Europeia, que há três anos determinou a adoção de três novos rastreios de base populacional, o pulmão, o gástrico e a próstata, Vítor Neves lamenta que o tema em Portugal esteja parado.
“Gerou-se uma expectativa (…) de que o assunto ia ser tratado, mas o assunto parou (…). Estas são doenças que se podem evitar e que, encontradas num estadio muito inicial, têm solução. Não estamos a falar de doenças que são, à partida, incuráveis”, refere, lembrando que este é um assunto grave que gera perda de vidas, sofrimento, custos sociais, custos em saúde e retira muita qualidade de vida aos portugueses.
“Era normal que os decisores em saúde em Portugal mudassem a mentalidade e o chip e adotassem de facto a prevenção e o diagnóstico precoce como uma das prioridades de saúde em Portugal”, sublinha.
A Europacolon Portugal – cuja linha de atendimento é 808 200 199 – realiza segunda-feira uma ação de divulgação e contacto com as pessoas na gare do Oriente, em Lisboa.
Paralelamente está a decorrer um programa de rastreios de pesquisa de sangue oculto nas fezes em 61 farmácias (grupo de farmácias dos laboratórios Germano de Sousa) de todo o país.
O rastreio é gratuito e destinado a pessoas a partir dos 50 anos de idade.