Médicos de todo o país estão hoje concentrados em frente ao Ministério da Saúde, em Lisboa, numa manifestação para exigir melhores condições de trabalho e salariais e um Serviço Nacional de Saúde mais forte para responder à população.
“O povo merece o SNS”, “Não calamos, não calamos a saúde é de todos” e “Ana chegou e a saúde já piorou” são algumas palavras de ordem cantadas em uníssono pelos médicos presentes no protesto que assinala a greve de dois dias convocada pela Federação Nacional dos Médicos (Fnam).
Cerca de uma centena e meia de médicos, segundo números da Fnam, estão concentrados na Avenida João Crisóstomo, onde sobressaem balões dourados que assinalam os 45 anos do SNS e vários cartazes empunhados pelo clínicos com mensagens como “Os médicos exigem ser tratados com respeito”, “É greve porque é grave. Todos pelo SNS”.
À frente da manifestação, presenciada por alguns agentes da PSP, destacam-se duas faixas com os apelos dos médicos: “É preciso salvar o SNS” e “É preciso cuidar de quem cuida”.
No início do protesto, os manifestantes também usaram a música popular italiana "Bella Ciao", uma canção da resistência italiana, com a letra adaptada para “Esta ministra de uma só vez começou a tirar as nossas férias e os salários que recusa aumentar”.
Além dos médicos, estão também presentes na manifestação utentes, grávidas e profissionais de saúde, uma presença saudada pela presidente da Fnam, Joana Bordalo e Sá, que tinha apelado à população para se juntar à luta dos médicos.
Reiterando que os médicos foram “empurrados para esta greve", a sindicalista disse à agência Lusa que os médicos querem estar no SNS, mas precisam de ter “condições de trabalho que sejam dignas, salários justos”, caso contrário vão continuar “a sair todos os dias, seja para o setor privado, seja para o estrangeiro, seja.
Alertou para os problemas no SNS, como nos serviços de ginecologia e obstetrícia, frisando que há grávidas a terem os seus bebés nas ambulâncias, mais de 40, o que considerou ser “um retrocesso”.
Inês Garcia Marques está grávida e fez questão de estar no protesto para defender o SNS: “Sinto que é importante estar aqui porque há muitas grávidas no país, neste momento, que não sabem onde é que vão parir, que estão a deparar-se com urgências fechadas e a ter que ir a vários hospitais no dia do parto, que já é um dia tão complicado para a mulher”.
“Não há razão para estarmos num país da União Europeia e não sabermos onde é que vamos parir. Esse direito devia ser assegurado a todas as grávidas”, defendeu, contando que esta situação faz aumentar o ‘stress’ que já existe associado à gravidez.
Joana Bordalo e Sá salientou que também as crianças têm de percorrer “quilómetros e quilómetros” para serem atendidas num serviço de urgência de pediatria, e lembrou o aumento de utentes sem médico de família, que já são quase 1,7 milhões.
“Não é isto que queremos”, frisou, salientando que os médicos estão a lutar pelas suas condições de trabalho, mas também por “um SNS que seja, de facto, público, universal e consiga atender todos”.
A presidente da Fnam lamentou que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, tenha escolhido não ouvir os médicos, assegurando que “a Fnam não embarca numa negociação de fachada” e vai continuar a lutar e a exigir “uma Ministra que perceba de saúde e que sirva o SNS”.
António Rodrigues deixou de exercer há quatro anos. Até então trabalhava na agora Unidade de Saúde de Coimbra, tendo contado à Lusa que é do “tempo da construção do SNS”.
“Acompanhei o Dr. António Arnaut [considerado “o pai” do SNS] e o Dr. Mário Mendes em todo o processo da construção do SNS, com todos os outros que contribuíram para a sua institucionalização, e depois acompanhei o crescimento”, recordou.
Enalteceu o “salto brutal” que se deu nas condições de saúde dos portugueses e confessou que é com “grande amargura” que assiste “à regressão a que o SNS tem estado sujeito”.
“Cada um trabalha no salve-se quem puder, porque o trabalho abunda, porque os quadros são escassos, porque não há forma de conseguir criar atratividade” para os profissionais ficarem no SNS, que é onde “se faz o que é altamente complexo” a nível da saúde.
Rui Candeias exerce no hospital de Faro, integrando também a estrutura sindical, e contou que as maiores dificuldades vividas nas unidades de saúde se prendem com escassez de médicos.
“Tem sido cada vez mais difícil captar e reter médicos”, nomeadamente os jovens médicos, o que sobrecarrega quem fica do ponto de vista de horas extraordinárias e de compromisso com a sua vida pessoal e familiar, lamentou.
Na manifestação estiverem presentes os líderes do Livre, Rui Tavares, do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, e do PCP, Paulo Raimundo, que manifestaram o seu apoio e solidariedade para com a luta dos médicos.