SAÚDE QUE SE VÊ

Guineenses têm pela primeira vez uma linha de socorro e encaminhamento com apoio de Portugal

Lusa
08-07-2024 07:48h

A população da Guiné-Bissau vai ter, pela primeira vez, uma linha telefónica de socorro e aconselhamento, que começa a atender chamadas na segunda-feira relacionadas com saúde, casos de polícia ou socorro.

A iniciativa é da Associação Vida, uma Organização Não Governamental (ONG) portuguesa que, com o apoio de outros parceiros, instalou o equipamento necessário e batizou o serviço de “Linha Saúde 24”.

Na verdade são dois números disponibilizados, o 1919 e o 2020, destinados a cada uma das duas operadoras móveis do país, para garantir que a população pode ligar de forma gratuita.

O princípio é o mesmo da linha existente em Portugal e foi criada para ajudar a população, mas adaptada à realidade de um país onde os cidadãos não poderão esperar sempre a necessária resposta dos serviços de saúde, como explicou à Lusa o coordenador, Crister Ocadaque.

Médico de profissão, Crister conhece “os problemas muito sérios dentro das estruturas de saúde” da Guiné-Bissau e as dificuldades da população no acesso à informação e consequentemente no acesso ao acompanhamento médico.

Nesse contexto, a linha de saúde “vem dar um apoio, vai funcionar 24 sobre 24 horas, vai ter uma equipa de 13 operadores, enfermeiros, médicos, e uma psicóloga”, para receberem a ligação e tentar encontrar uma solução.

“A linha não vai deslocar uma ambulância, que não há, para casa das pessoas, mas vai ajudar a fazer uma articulação entre diferentes parceiros, a nível dos hospitais de referência, tanto na capital como nas regiões do país”, explica.

A saúde será o ponto fulcral deste serviço que se destina também a receber e encaminhar outro tipo de solicitações.

“Imagine que acontece um naufrágio, nesse caso, nós vamos acionar a equipa da Marinha para o processo de salvamento. Também a questão da violência e o estupro de menores, em articulação com a Polícia Judiciária”, exemplifica.

A vantagem deste serviço é a articulação entre diferentes entidades, como explicou, e a expetativa é de que possa ajudar a reunir dados para a definição de políticas públicas.

Nos relatórios, que vão ser feitos periodicamente, constarão o reporte de nascimentos e óbitos dentro das comunidades de todo o país, dados que podem ajudar a esclarecer causas de morte num sistema onde não são feitas autópsias.

Da mesma forma, ao pedir a identificação de quem liga, a linha espera contribuir para um cadastro das pessoas sem bilhete de identidade, num país onde se estima que mais de metade das crianças não tem registo de nascimento.

A ideia deste projeto nasceu da linha telefónica criada para a pandemia de covid-19 e que se destinava apenas ao seguimento dos casos positivos.

Quando o projeto acabou, conta Crister, a organização começou a pensar na criação de uma nova estrutura porque as ligações que recebiam na época não eram apenas relacionadas com a covid-19.

A linha Saúde 24 da Guiné-Bissau disponibiliza, também, um psicólogo, a pensar, sobretudo, nos casos de VIH e tuberculose, doenças estigmatizadas pela sociedade.

A psicóloga de serviço, Delmira Mendes Correia, realça que o serviço “vai ser importante porque devido às questões culturais a população não tem muito conhecimento sobre a psicologia e com essa linha vai ter acesso e poder pedir ajuda em caso de necessidade”.

O projeto da Associação Vida é financiado maioritariamente pelo instituto Camões, de Portugal, e ainda pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Foi também desenvolvida em Portugal a infraestrutura tecnológica para o funcionamento da linha, construída de raiz pelo INESC TEC - Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Porto) e Universidade do Minho, como disse à Lusa o representante João Marco Silva.

O sistema foi pensado para as necessidades locais e para os serviços que vão ser prestados, com “uma solução sem nenhum custo de licenciamento de software”.

Os equipamentos utilizados, como a estação de atendimento, “são de baixo consumo de energia, o que ajuda bastante nos períodos em que há falhas de distribuição e o sistema precisa de ser alimentado por bateria”, acrescentou.

A Lusa visitou as instalações onde funcionará esta linha encarada como “um novo desafio” por quem ali acabou de receber formação e vai atender as chamadas, como o enfermeiro Siuna Sanguere.

Este profissional trabalha num centro de saúde local onde surgem dificuldades como a falta de medicamentos e vê na linha um serviço para informar quem precisa da disponibilidade ou alternativa.

Uma vantagem apontada por outro operador, Ocante Adolfo Dapó, é que, mesmo estando num lugar distante, as pessoas podem ligar a pedir socorro ou aconselhamento.

“É um projeto novo que a população deve saber usar para o próprio bem”, vincou.

Alfadju Gomes Ianga é o representante do Governo na área da Saúde neste projeto e destaca a importância deste atendimento num país com falta de “boas estradas” e acessos, nomeadamente daqueles que vivem nas ilhas.

Uma das falhas que reconhece no funcionamento do sistema de saúde é “a conexão entre a prontidão e disponibilidade” e acredita que agora fica “mais completa”.

“Se houver uma evacuação de Gabu para Bissau, o Simão Mendes (hospital) já sabe que vai receber o paciente e, se não tiver espaço, podemos agilizar para ir para outro hospital”, concretiza.

O serviço, aponta, permitirá também identificar áreas prioritárias, mas será preciso depois que os responsáveis políticos se sentem com os técnicos para falarem de soluções.

“Se não conseguirmos organizar-nos, todos nós vamos ser vítimas do sistema, ninguém vai escapar disso”, alertou.

MAIS NOTÍCIAS