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Vírus: África tem menos doenças como o coronavírus mas menos meios para as combater

LUSA
30-01-2020 13:36h

O infecciologista Jorge Atouguia referiu hoje que África tem sido poupada de doenças como o coronavírus, por ter menos ligações aéreas, menos espaços confinados e mais calor, mas tem menos meios para responder a um eventual surto.

Em declarações à agência Lusa, Jorge Atouguia identificou as principais razões para as doenças transmitidas por via respiratória atingirem menos o continente africano.

Por um lado, enumerou, “o continente africano tem muito menos ligações aéreas com o resto do mundo, quando comparado com os países do hemisfério norte. Há menos pessoas infetadas a chegarem ao continente africano e, logo, há um menor risco de contacto de pessoa a pessoa para transmissão do agente infeccioso”.

Segundo Jorge Atouguia, no hemisfério norte e nos países asiáticos “as pessoas habitam muito mais próximas umas das outras” do que no continente africano.

Por outro lado, “os climas mais frios [do hemisfério norte e na Ásia] favorecem essa proximidade” e “há muito menor arejamento” nestes locais, o que favorece a transmissão.

“Há menos possibilidade de um vírus ser transmitido pessoa a pessoa porque não há tanta confinação de espaços”.

E mesmo no caso de uma pessoa estar infetada, as gotículas que libertar terão menos alvos, porque é menor a proximidade entre as pessoas, referiu.

Ainda assim, Jorge Atouguia sublinhou a importância das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) serem iguais para todos porque, embora com menor transmissibilidade, “há sempre a possibilidade de transmissão”.

O especialista recorda que há muitos países africanos com uma forte emigração chinesa, cujos familiares que a queiram visitar podem representar um risco.

“As medidas tomadas pela China para fazer um cordão sanitário para bloquear as zonas onde o surto está a evoluir também limita a mobilidade dos chineses que queiram visitar familiares que estejam em países lusófonos”, disse.

E defendeu que os países africanos façam controlos nas fronteiras e disponibilizem cuidados de saúde primários em relação às pessoas que surjam com sintomas compatíveis com pneumonia viral.

Questionado sobre a resposta que o continente africano tem disponível no caso de um surto atingir estes países, Jorge Atouguia enumerou várias dificuldades.

“É muito mais difícil. A partir do momento em que existe infeção, a possibilidade de controlar essa infeção é muito mais difícil [no continente africano] porque exige uma qualidade de serviços de saúde, em recursos humanos e técnicos, que a maioria dos países não tem, sobretudo fora das grandes capitais”.

E explicou que, “quando um doente nestas condições entra num quadro mais grave, é habitualmente necessário entubar o doente e fazer-se uma respiração assistida e isso não é de todo uma possibilidade de fazer na maior parte dos hospitais onde não existem cuidados intensivos”.

“Apenas nas grandes capitais existem alguns hospitais ou clínicas com condições para realizar este assunto. Por outro lado, há uma exigência importante, do ponto de vista epidemiológico, no isolamento dos suspeitos com esta doença e esse é outro problema porque a maior parte dos hospitais em África não tem condições para garantir esse isolamento”, disse.

“Cruzemos os dedos para que não existam casos [de coronavírus] em África”, declarou.

Jorge Atouguia acentuou que o meio de transmissão determina a gravidade do surto, o qual, por seu lado, está relacionado com questões culturais.

Por esta razão, avançou, assiste-se a um aumento de quase mil casos do novo coronavírus por dia na China e o atual surto do vírus Ébola na República Democrática do Congo permanece confinado ao local.

Um surto de Ébola na República Democrática do Congo já causou, desde agosto de 2018, 2.240 mortes (2.121 confirmadas em laboratório) e infetou 3.418 pessoas (3.299 confirmados em laboratório).

Trata-se do segundo pior desde que a doença foi conhecida, superado apenas pela epidemia que atingiu a África Ocidental entre 2014 e 2016 e que causou mais de 11.300 mortos.

Na China contam-se já 170 mortos e mais de 7.700 infetados pelo novo coronavírus detetado no final do ano em Wuhan, capital da província de Hubei (centro).

Além do território continental da China, foram reportados casos de infeção em Macau, Hong Kong, Taiwan, Tailândia, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos da América, Singapura, Vietname, Nepal, Malásia, Austrália, Canadá, Alemanha, França (primeiro país europeu a detetar casos), Finlândia e Emirados Árabes Unidos, Camboja, Filipinas e Índia.

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