A lei da eutanásia foi hoje concluída na especialidade, após um processo que se prolongou por cerca de três meses.
O diploma terá ainda de ser confirmado, no chamado processo na especialidade, numa reunião da comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o que deverá acontecer na próxima semana, antes da votação final global, em plenário.
Principais alterações introduzidas e aspetos essenciais da lei:
+++ A despenalização e as suas condições +++
O artigo 2.º é central na nova lei e estabelece as condições em que é possível praticar a morte medicamente assistida sem se ser punido criminalmente – na prática, a despenalização.
O texto de substituição, a partir dos cinco projetos aprovados em fevereiro de 2020, previa, inicialmente, que não é punível a “antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Mas na reunião de hoje, por proposta do BE, juntou-se mais uma condição. Ou seja, que em caso de lesão definitiva, ela deve ser de “gravidade extrema, de acordo com o consenso científico”.
A lei prevê que o doente que pede a morte medicamente assistida é livre de parar com o processo a qualquer momento.
Atualmente, a prática da eutanásia em Portugal, embora não exista um crime com esse nome, pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º), E as penas variam entre um a cinco anos de prisão para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.
+++ O que muda nos seguros +++
Depois do alerta da Associação Portuguesa de Seguros, de que a lei poderia impedir o pagamento de seguros de vida, a lacuna foi resolvida no debate na especialidade: o texto legal prevê que, “para efeitos do contrato de seguro de vida, a antecipação da morte não é fator de exclusão”.
Além do mais, não pode haver alterações nas cláusulas a designar os beneficiários após o início do processo da eutanásia. Os profissionais, sejam de saúde ou outros, que participam no processo não podem ser beneficiários do doente.
+++ Mais um tipo de exclusão +++
Logo nos primeiros artigos, os deputados entenderam-se para proibir que se candidatem à eutanásia doentes com um processo judicial com vista à sua incapacidade.
Na mesma lógica, é suspenso o processo de for apresentado um processo judicial com esse objetivo.
+++ Processo necessita de pareceres de dois ou três médicos +++
Na lei a ser votada pelo parlamento é proposto que o processo seja seguido e orientado por médicos, havendo pelo menos dois pareceres ou um terceiro, de um médico psiquiatra, se o médico orientador tiver dúvidas sobre a capacidade da pessoa ou se o doente tiver uma perturbação psíquica.
Está prevista a intervenção, nas várias fases do processo, de até três médicos: médico orientador, médico especialista e depois médico especialista em psiquiatria, caso existam “dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade séria, livre e esclarecida”.
+++ Onde se pode praticar a morte medicamente assistida +++
O texto de substituição prevê que só é possível fazer a eutanásia nos "estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado".
+++ Processo interrompido se doente estiver inconsciente +++
Tal como estava previsto no texto de substituição, o processo de morte assistida é interrompido se o doente ficar inconsciente, só sendo retomado se ficar de novo consciente e mantiver a decisão.
Pelo caminho ficou a proposta, que já vinha do projeto inicial do BE, de o processo de manter mesmo se o doente tivesse declarado, em testamento vital, que pretendia morrer mesmo se ficasse inconsciente.
+++ Objeção de consciência para médicos e enfermeiros +++
A objeção de consciência para médicos e enfermeiros fica garantido no texto legal. Era proposta por todos os partidos com projeto de lei e a iniciativa Liberal queria que ficasse escrito que essa objeção poderia ser exercida a todo o tempo, e que implicaria a suspensão do processo até à sua substituição. O PS, porém, recusou esta formulação com o argumento de que essa pode ser matéria para a regulamentação do Governo que se seguirá à aprovação da lei.
“Nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao ato de antecipação da morte de um doente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza, entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objeção de consciência a todos que o invoquem.”
+++ Quem fiscaliza +++
Tal como já faziam os cinco projetos, a lei cria uma Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte que tem cinco dias para emitir pareceres, caso o processo tenha sido aprovado pelo médico orientador.
A comissão é composta por “cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação” nas áreas médica, jurídica e bioética: um jurista indicado pelo Conselho Superior da Magistratura, outro jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público, um médico indicado pela Ordem dos Médicos, um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
+++ A lei mudou de nome +++
A sistematização das propostas começou, no texto de substituição, com o nome da lei, na designação a dar. Nessa proposta adota-se a designação de “despenalização da morte medicamente assistida”.
Os projetos dos partidos tinham opções diferentes. O PS era o único a adotar a palavra “eutanásia”, PAN e PEV mencionavam “morte medicamente assistida”, enquanto o BE preferia “antecipação da morte” e a IL falava em “antecipação do fim da vida”.
+++ Como votaram os partidos à direita... +++
O PSD, que se dividiu na votação na generalidade, optou, no grupo de trabalho, por uma abstenção sistemática. O CDS-PP, que votou contra, à exceção dos artigos sobre o direito aos cuidados paliativos ou ainda à objeção de consciência dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros).
+++ ... e à esquerda +++
PS, BE e PAN, que tinham projetos em debate, uniram-se em muitas das votações na especialidade, apesar de divergências pontuais, para aprovar as soluções que propunham ou para recusar as de outros partidos, como aconteceu com a Iniciativa Liberal, que viu chumbada a proposta para ao doente, no momento da decisão, pudesse optar, em alternativa, entre a eutanásia e os cuidados paliativos.
O PCP não participou nos trabalhos deste grupo, mas, tratando-se de votações indiciárias (ou indicativas), elas terão de ser feitas, formalmente, na comissão de Assuntos Constitucionais. Onde os partidos ainda podem alterar alguma das suas votações, caso queiram.