SAÚDE QUE SE VÊ

Covid-19: Consenso político alemão enfraquece com críticas internas a Merkel

LUSA
27-04-2020 14:04h

A resposta de Angela Merkel à pandemia deu-lhe uma popularidade inesperada, mas recentes críticas, nomeadamente de figuras do seu partido, mostram brechas no consenso que permitiu até agora à Alemanha resultados mais favoráveis no controlo da crise.

Há 15 anos no poder e já tendo anunciado que não se recandidata ao cargo, a chanceler alemã viu a sua popularidade subir 11 pontos em abril, para 79%, e as intenções de voto no seu partido, a União Democrata-Cristã (CDU), dez pontos, para 38%, muito graças aos êxitos obtidos na luta contra o novo coronavírus.

O país regista uma taxa de mortalidade por covid-19 inferior à da generalidade dos grandes países europeus, de 3,7%, graças nomeadamente às medidas tomadas em matéria de confinamento e de realização maciça de testes, apoiadas por ampla maioria da população.

Mas, quando vários países europeus começam a aliviar restrições, Angela Merkel, cientista de formação e que tem privilegiado os pareceres científicos na gestão da pandemia, tem repetidamente advertido para a necessidade de reabrir o país com cautela, pouco a pouco, apesar da impaciência de alguns setores face ao impacto na economia e de parte da população face às restrições de movimentos.

Este fim de semana, destacadas figuras do seu partido abriram as primeiras brechas no consenso, entre as quais o presidente da câmara dos deputados (Bundestag), Wolfgang Schäuble, cuja opinião é normalmente muito escutada entre os conservadores.

Numa entrevista ao Tagesspiegel, Schäuble alertou para o prolongamento das restrições aos direitos fundamentais, frisando que a dignidade humana se sobrepõe ao salvamento de vidas.

“Quando ouço que qualquer outra consideração deve ceder à proteção da vida humana, penso que esse absolutismo não se justifica. Se na nossa Constituição há um valor absoluto, ele é a dignidade humana”, disse.

O ex-ministro das Finanças defendeu ainda que as decisões políticas relativas à gestão da crise não podem ficar nas mãos dos epidemiologistas, porque têm de considerar-se também as consequências económicas, sociais e psicológicas.

Outra destacada figura do partido, apontada como um potencial sucessor de Merkel, o chefe do governo regional da Renânia do Norte-Vestefália, Armin Laschet, tem criticado a “lentidão” da reabertura e exigido que ela seja acelerada.

“É claro que é uma questão de vida ou de morte”, mas é preciso “ter em conta” o impacto do confinamento, por exemplo, nas crianças, disse Laschet à televisão ARD no fim de semana, criticando os prognósticos dos epidemiologistas, que considera “demasiado pessimistas”, e assegurando que, na sua região, “40% das camas de cuidados intensivos estão vazias”.

Hoje, o tabloide Bild, o jornal mais lido no país, retomou estas críticas e defendeu em editorial que a chanceler tem de “pôr fim à teimosia”.

O Partido Liberal alemão (FDP), que pouco se tem feito ouvir nas últimas semanas, decretou hoje, pela voz do líder, Christian Lindner, “o fim do grande consenso” nacional sobre o coronavírus.

O FDP critica o impacto económico do confinamento, sobretudo nas pequenas e médias empresas, e as restrições das liberdades individuais.

Este sábado, em Berlim, repetiu-se uma manifestação da plataforma “Hygiene Demo”, que segundo a imprensa alemã mobiliza extremistas de direita e de esquerda, antissemitas e adeptos das teorias da conspiração, para apelar à “resistência democrática” de um “Estado autoritário” que restringe liberdades em nome do confinamento.

Uma centena de manifestantes foram detidos pela polícia.

Para a extrema-direita da Alternativa para a Alemanha (AfD), principal partido da oposição na câmara dos deputados, a Alemanha “está a falhar a saída” do confinamento e “todas as lojas devem reabrir”.

“Devolvam à população a sua liberdade!”, lançou Sebastian Münzenmaier, um responsável do partido.

A Alemanha, com cerca de 83 milhões de habitantes, registava até hoje, segundo números oficiais, 155.193 casos de infeção pelo novo coronavírus e 5.750 mortes associadas à covid-19.

Países como França (cerca de 67 milhões de habitantes) ou o Reino Unido (66,5 milhões), apresentam números de casos de infeção semelhantes, respetivamente 162 mil e 153 mil, mas bastante mais mortes, respetivamente 22.800 e 20.732.

Surgido em dezembro na China, o vírus SARS-CoV-2 espalhou-se por 193 países e territórios, tendo já infetado mais de 2,9 milhões de pessoas, 204 mil das quais morreram, segundo um balanço da AFP.

MAIS NOTÍCIAS