O serviço de psiquiatria do Hospital de Santarém inaugurou hoje a cozinha do projeto “In_Cooking”, onde, durante um ano, meia centena dos seus utentes vão frequentar oficinas de cozinha orientadas pelo chefe escalabitano Rodrigo Castelo.
O projeto segue-se a outros que o departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Distrital de Santarém (HDS) tem vindo a desenvolver com o objetivo de autonomizar os seus utentes e de promover a inclusão e a redução do estigma associado à doença, disseram à Lusa Carla Ferreira e Ana Mendes, coordenadoras da iniciativa.
Tal como aconteceu com o projeto In_Cluir – Oficinas para Todos e Cada Um, iniciado há quatro anos sob orientação de um artista plástico e que vai na sua sexta edição, também o In_Cooking vai funcionar com grupos que integram seis pessoas com doença mental, identificadas pelo serviço de psiquiatria, e dois da comunidade, identificados pela ação social da Câmara de Santarém.
Carla Ferreira, enfermeira da equipa, afirmou que ao longo de um ano funcionarão seis grupos, com aulas de duas horas em dois dias da semana.
O objetivo da equipa é promover a autonomia, a capacidade de organização e de ser “seletivo” nas compras, a prática de uma alimentação saudável e também a empregabilidade.
Paula Nogueira, 52 anos, é uma das utentes do Hospital de Dia do serviço que está a frequentar as oficinas e que as técnicas acreditam poderá encontrar aqui “a grande alavanca para regressar" a uma área onde já trabalhou.
“Gosto de cozinhar, porque a cozinhar estou a criar. Nunca é igual”, disse Paula Nogueira à Lusa, confessando que, na primeira aula, realizada na segunda-feira, se sentiu “novamente feliz”, num quadro que tem sido de “demasiada angústia e ansiedade”.
A psicóloga Ana Mendes salientou o impacto destes projetos “fora da caixa” tanto na autoestima dos participantes como na diminuição do estigma da doença mental na comunidade, atestado pelo estudo realizado no primeiro ano do In_Cluir, iniciativa que leva os utentes para fora do hospital para a realização de atividades de pintura em espaços públicos.
“Daí pensámos, se calhar temos que fazer projetos mesmo diferentes, em que as pessoas estejam felizes a fazer algo e pensámos nesta área da cozinha porque os utentes estão muito isolados, muitas vezes sozinhos, utentes que vivem com os pais, depois os pais envelhecem e não se autonomizam”, declarou.
“E depois a cozinha é algo espetacular, porque, além do manusear, é todo este leque de cor, de cheiro, de paladar (…), que se traduz também num outro tipo de felicidade, que os deixa mesmo felizes”, acrescentou Carla Ferreira.
Com uma candidatura à Missão Continente, a equipa conseguiu a verba necessária para recuperar e equipar uma pequena cozinha do serviço.
Tudo o resto foi doado, resultado dos contactos feitos com o chefe Rodrigo Castelo e com os fornecedores de produtos alimentares, mas também de panelas, loiça, talheres, uma ajuda “extraordinária” que a equipa sinalizou numa das paredes da cozinha.
Rodrigo Castelo tinha hoje consigo dois outros chefes que quiseram abraçar o projeto, a “Tia Cátia” do 24Kitchen e Carlos Albuquerque, do restaurante da Herdade do Esporão.
Para o chefe escalabitano, a ligação ao projeto, em que participa ‘pro bono’, foi imediata.
“É daqueles projetos que não consigo dizer que não, deixam-nos de coração cheio. Sou sentimentalão, nada melhor do que dar, e dar a fazer o que mais gosto, que é cozinhar, nunca poderia dizer que não”, disse à Lusa.
Mário Rodrigues, da organização de produtores Frutalmente, com sede em Cadafais, no concelho de Alenquer (Lisboa), foi um dos fornecedores de Rodrigo Castelo, com quem tem uma parceria para o desenvolvimento de receitas, que aderiu ao projeto, oferecendo fruta da época.
“Não podíamos dizer que não a uma causa nobre como esta”, disse à Lusa.
Tal como aconteceu com o In_Cluir, o projeto vai ser acompanhado pelas Escolas Superiores de Saúde e de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Santarém (IPS) para avaliação do seu impacto.
Sendo promovido por uma associação criada para estes fins, a r.INSERIR - Oficinas para Todos e para Cada Um, o projeto conta com as parcerias do HDS, da Câmara Municipal de Santarém, da Casa de Pessoal do Hospital de Santarém, das Escolas Superiores de Saúde, de Gestão e Agrária, do IPS, da Escola Profissional Vale do Tejo, e de várias empresas.