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Covid-19: Censura é “um desastre para a saúde pública” - HRW

LUSA
16-04-2020 18:20h

A organização Human Rights Watch (HRW) denunciou hoje que a China e outros governos estão a “censurar” notícias negativas e críticas sobre a pandemia de covid-19, o que “tem provocado mortes e é um desastre para a saúde pública”.

A denúncia foi feita pelo diretor executivo daquela organização não-governamental de defesa e promoção dos Direitos Humanos, Kenneth Roth, durante uma conferência de imprensa com os jornalistas acreditados nas Nações Unidas em Genebra para falar sobre a deterioração do setor na atual crise sanitária.

Roth sublinhou que o aumento da censura tem sido “um dos retrocessos mais notórios” no diz respeito às liberdades fundamentais nos últimos meses, em que a pandemia provocou mais de 137 mil mortos e infetou mais de dois milhões de pessoas em 193 países e territórios.

“O caso mais notório é o da China, onde as autoridades censuraram e calaram os médicos que em Wuhan - a cidade onde foi detetada a atual pandemia do novo coronavírus - alertaram, em dezembro (de 2019), para a epidemia”, exemplificou o diretor executivo da HRW.

Noutros países, como Egito e Turquia, também se está a tentar evitar a publicação de notícias críticas à gestão da crise, enquanto na Tailândia a imprensa apenas pode noticiar as conferências de imprensa governamentais sobre o tema e a Índia procura estabelecer um método de censura prévia, acrescentou Roth.

Sobre o papel da imprensa em tempos de pandemia, o diretor executivo do HRW frisou a pressão de muitos governos para que a comunicação social apenas dê eco da informação oficial.

“Num mundo ideal, deve haver diversas fontes de informação sobre saúde pública. Quem dispõe de dados deve ser livre para os comunicar a outros. Os jornalistas desempenham um papel essencial em tempos de epidemia, são atores chave para que os governos respondam pelos seus atos, sobretudo em casos em que as autoridades, em especial as autocracias, dão prioridade aos seus próprios interesses”, denunciou.

“A pandemia veio mostrar o perigo as autocracias”, sublinhando que se a China tivesse um governo mais preocupado com a saúde pública e se tivesse ouvido os médicos de Wuhan em vez de os calar, poderíamos tê-la evitado”, afirmou Roth.

O diretor executivo do HRW recordou que o novo coronavírus está a ser utilizado por alguns governos como pretexto para aumentar a sua autoridade, destacando os exemplos no Camboja e na Hungria, onde o primeiro-ministro, Viktor Orban, “promoveu o poder ditatorial para governar sem controlo parlamentar”.

“A União Europeia tem agora de decidir se vai continuar a financiar esse cavalo de Troia no seu sistema a alguém que mina os valores democráticos sobre os que a UE se construiu”, defendeu.

Roth também se manifestou “preocupado” com o negacionismo que foi mostrado em torno da pandemia, sobretudo no início, por líderes como os Presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, Brasil, Jair Bolsonaro, e México, Andrés Lopez Obrador, acompanhado pelo auge de políticas nacionalistas ou isolacionistas.

“A pandemia demonstrou que o vírus não respeita fronteiras, que somos todos vulneráveis. No início pode existir um nacionalismo instintivo para proteger um país do resto do mundo, o que explica, seguramente, o ataque de Trump à Organização Mundial de Saúde (OMS)”, sustentou Roth.

Por outro lado, o diretor executivo da HRW criticou o facto de as limitações à mobilidade estarem a ser usadas em alguns países como desculpa para que as forças de segurança e outros atores exerçam a violência, algo que, nomeou, acontece no Quénia, Uganda, El Salvador e Índia, onde aumentaram os ataques de hindus a muçulmanos.

Roth destacou também que o uso da tecnologia para vigiar pacientes e os respetivos contactos, que ajudou, por exemplo, a Coreia do Sul a conter de forma relativamente eficaz a pandemia, “põe em perigo a privacidade de muitos cidadãos”.

“Há paralelismos com crises anteriores, como a do ’11 de Setembro’ (de 2001, nos Estados Unidos), em que as pessoas, no princípio, têm medo e pedem ao governo para que as proteja. Este, o governo, aproveita a oportunidade para reagir mais do que o necessário e toma medidas que aumentam o seu poder à custa dos direitos humanos e é muito difícil regressar ao estado anterior”, realçou.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa quatro mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando setores inteiros da economia mundial.

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