Antiga ministra da saúde diz que proposta responsabiliza as pessoas pela sua saúde, o que pode vedar o acesso aos cuidados a alguns utentes.
O alerta foi dado pela antiga ministra da Saúde, que presidiu a Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, na Comissão da Saúde, onde ontem foi ouvida a pedido do CDS-PP, para “explicar detalhadamente” o projeto que apresentou ao Governo.
“Realmente eu não estou preocupada, mas gostava de vos chamar a atenção para uma coisa que, para mim, é absolutamente estruturante, quando nessa proposta se consagra que todas as pessoas têm o dever de serem responsáveis pela sua própria saúde e pela melhoria da saúde da comunidade, tendo o dever de as defender e promover”, afirmou.
No seu entender, esta medida “é inconstitucional”, porque o artigo 64 número 1 da Constituição Portuguesa diz que “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover”.
Cada pessoa tem o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade e não pode ser responsável se os outros fumam ou consomem por exemplo muito açúcar, defendeu. “Isto abre a porta a que as pessoas que não se portam bem, de acordo com uma avaliação que não sei porque quem é feita, não tenham acesso aos cuidados de saúde”, vincou.
“Isto não são coisas irrelevantes (…) não posso aceitar isto”, disse a jurista, afirmando que esta medida é “uma alteração estruturante” daquilo que são os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.
“E, portanto, quando me dizem que isto protege as pessoas, compreendem a minha preocupação”, comentou.
A socialista advertiu que se “a Lei de Bases que sair da Assembleia da República tiver uma formulação desta natureza” exercerá o seu “dever de cidadania participativa”. Em junho do ano passado, Maria de Belém apresentou aos jornalistas a “pré-proposta” para a nova Lei de Bases.
A proposta chegou a ser apreciada em conselho de secretários de Estado, mas nunca chegou a ser apreciada em Conselho de Ministros.
Entretanto, em outubro, a remodelação governamental atingiu a saúde e Adalberto Campos Fernandes foi substituído por Marta Temido, que, desde logo, indicou que a nova equipa ministerial pretendia “aperfeiçoar” o documento e incorporar a sua visão na proposta final do Governo.
A meio de dezembro, o Governo aprovou em Conselho de Ministros a proposta de Lei de Bases, uma versão diferente daquela que o grupo coordenado por Maria de Belém apresentou.
O parlamento constituiu um grupo de trabalho que vai tentar recolher contributos para uma nova Lei de Bases da Saúde que substitua a de 1990, estando em cima da mesa cinco propostas: a do Governo, a do Bloco de Esquerda, a do PCP, a do PSD e a do CDS, todas em análise em especialidade parlamentar.