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Covid-19: Autoridades locais indianas temem impacto social de confinamento geral

01-04-2020 17:01h

As autoridades locais indianas alertam para os riscos iminentes de tumultos sociais, perante o caos provocado pela imposição de uma quarentena geral aos 1,3 mil milhões de pessoas, para travar a pandemia de covid-19.

Quando, no dia 24 de março, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, anunciou o confinamento geral da população por 21 dias, a Organização Mundial de Saúde (OMS) elogiou a decisão de encerramento de todas as escolas, lojas comerciais e indústria, bem como a desmarcação de todos os eventos públicos.

Os especialistas da OMS estão preocupados com o impacto da propagação do novo coronavírus num país que tem uma das maiores taxas de doenças respiratórias e o maior número de casos de tuberculose no mundo, deixando uma parte importante da população em situação de enorme vulnerabilidade.

Contudo, as autoridades regionais e locais estão preocupadas com o impacto das medidas de confinamento num país com mais de mil milhões de habitantes, grande parte deles a viver em condições de pobreza extrema, sem possibilidade de sobrevivência se ficarem isolados nas grandes metrópoles.

Mais de 90% dos 500 milhões de trabalhadores não-agrícolas têm o seu rendimento na economia informal, que está agora quase totalmente imobilizada, levando a migrações de milhões de pessoas, de forma totalmente desorganizada, em grandes concentrações propícias a transmissão de doenças.

Com os sistemas de transportes públicos paralisados, milhões de indianos estão há vários dias a percorrer centenas de quilómetros a pé ou aglomerados em pequenos veículos, para chegar a pequenas vilas rurais, procurando fugir das grandes cidades, com receio de não terem acesso a bens essenciais.

As autoridades locais e regionais têm avisado o Governo do receio de um aumento súbito de mortes por contaminação do novo coronavírus, alertando para as consequências económicas sociais, temendo sublevações num país onde a autoridade política é tradicionalmente muito contestada.

Apesar de o Governo ter garantido que ninguém passaria fome, várias organizações não-governamentais denunciam situações graves de falta de distribuição alimentar, até porque as autoridades estão a reprimir os vendedores de legumes que enchiam as ruas da cidade, sob pretexto da ordem de permanência em casa.

Alguns atos de repressão por parte da polícia revelam abusos de agressão física e moral, com pessoas a ser vergastadas com paus e sujeitas a práticas humilhantes, na tentativa de esvaziar as ruas de cidades que ainda há dias eram povoadas por dezenas de milhões de habitantes.

O Governo de Narendra Modi está a tentar dar respostas aos problemas mais urgentes, decretando o envio de transferências diretas de dinheiro para as famílias mais pobres, através de programas de emergência, tentando chegar aos mais idosos e aos mais vulneráveis, antecipando as pensões dos próximos três meses.

Mas várias organizações já alertaram para o facto de a população mais pobre não estar sequer registada nos cadernos de apoio governamental e estar agora deixada à mercê de atos de caridade que se vão organizando de forma espontânea em algumas cidades.

Os governos locais também têm procurado complementar as ajudas do Governo central, mas queixam-se de falta de recursos financeiros.

As autoridades de Utar Pradesh, uma cidade a poucos quilómetros de Nova Deli, está a doar cheques de mil rupias (cerca de 12 euros) às famílias mais carentes que perderam meios de subsistência, uma verba irrisória, perante o cenário de uma quarentena de três semanas, pelo menos.

Em Nova Deli, as autoridades estão a criar abrigos, que se mostram insuficientes para os milhões de habitantes que não possuem uma casa digna desse nome para se protegerem da ameaça sanitária.

Milhares de funcionários do Estado tentam desinfetar as ruas e os camiões que transportam parte da população que procura sair das cidades, com produtos que as autoridades sanitárias temem que possam ser tóxicos e provoquem problemas médicos adicionais aos da pandemia de covid-19.

O Governo indiano tira proveito, para já, da dimensão reduzida da população contaminada, que, segundo dados oficiais, conta com pouco mais de 1.500 casos confirmados e cerca de 150 mortes.

Mas os testes são quase inexistentes e ninguém sabe ao certo a dimensão real do problema atual ou futuro da pandemia, temendo o impacto social e político de um aumento vertiginoso de mortes suspeitas nos próximos dias.

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