Capelães hospitalares estão a viver a situação de pandemia com serenidade, mas também com angústia e preocupação por de alguma forma estarem impedidos de ver os doentes, sobretudo numa altura em que estes não podem receber visitas.
O relato foi feito à hoje agência Lusa pelo presidente da Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares, o padre Fernando Sampaio, capelão hospitalar há mais de 30 anos.
“Estamos a viver esta situação com paciência, com serenidade, com angústia, com perplexidade” e com a preocupação de não poder estar com os doentes, disse o capelão do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Devido à pandemia Covid-19 os doentes deixaram de poder receber visitas para evitar a propagação da infeção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) e sentem-se sozinhos e angustiados, uma situação que preocupa o capelão.
Segundo Fernando Sampaio, os capelães hospitalares veem-se de “alguma forma impedidos” para fazer aquilo que era o seu dia-a-dia, apoiar os doentes.
“Nós não temos muito acesso aos doentes, não é porque não fosse possível ter acesso, mas é por questões de contingência, de preservar os próprios doentes e os profissionais”, explicou.
Agora apenas vão ver os doentes quando pedem sacramentos ou quando é mesmo necessário.
“Às vezes consigo visitar alguns doentes que não estão infetados” com covid-19, mas o problema maior são os que estão porque “é necessário ter muitos cuidados e não é muito conveniente as visitas, a não ser em situações muito especiais em que os doentes pedem”, disse o capelão.
Quando isso acontecer, Fernando Sampaio disse que o fará com “toda a dedicação e toda a ternura”.
Citando alguns testemunhos que tem ouvido, o capelão disse que os doentes também estão a viver esta situação “com angústia e ansiedade”, sobretudo os que estão infetados.
“Ainda há bocado tive contacto com uma doente que não está infetada”, mas que inicialmente pensou que estava, que “disse uma coisa que no fundo reflete aquilo que se passa em cada doente”.
“Ela disse que foi uma angústia tal que sentiu que pediu desculpa ao filho, ao marido, que devia ter feito qualquer coisa, quase se desculpando por ter ficado contaminada”, contou.
Quando lhe foi dada a notícia de que não estava infetada, “desatou num pranto” que até o enfermeiro lhe perguntou porque estava assim, mas “foi a descarga da angústia, da ansiedade”.
“No fundo este pequenino testemunho dá conta da angústia por que passam os doentes quando são infetados” ou quando se coloca essa hipótese.
O facto de não poder ver os doentes também provoca muitas vezes “um sentimento de impotência”, por não poder fazer nada, mas neste caso “a melhor solução é estar quieto, não nos aproximarmos”.
Mas, desabafou, “isto é tudo muito estranho porque é o contrário daquilo que é o ser humano, que procura o contacto, a ajuda, e isso angustia”.
Fernando Sampaio contou o caso de um colega capelão que foi chamado por um doente sem covid-19 que “estava angustiadíssimo” e que a presença do padre o tranquilizou, assim como os doentes que estavam ao seu lado que se sentem “isolados, sozinhos”.
“Nós não somos só corpo, temos sentimentos, temos emoções e sobretudo temos a dimensão espiritual”, concluiu.
Portugal regista hoje 160 mortes associadas à covid-19, mais 20 do que na segunda-feira, e 7.443 infetados (mais 1.035), segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Direção-Geral da Saúde (DGS).