A Ordem dos Enfermeiros (OE) recusa-se a fornecer mais documentos no âmbito da sindicância ordenada pelo Ministério da Saúde sem pedido do tribunal, porque a considera ilegal, anunciou segunda-feira a bastonária Ana Rita Cavaco.
A decisão da OE baseia-se num parecer do professor catedrático de Direito Constitucional e de Direito Administrativo Paulo Otero e num parecer do professor catedrático e especialista em questões do regime de proteção de dados Alexandre Sousa Pinheiro, que sustentam a posição da Ordem face à sindicância, de que “é ilegal”.
“A sindicância para nós sem uma decisão do tribunal terminou, não iremos responder a mais nenhum e-mail, nem fornecer mais documentos, não iremos colaborar”, afirmou a bastonária Ana Rita Cavaco em conferência de imprensa na sede da OE, em Lisboa.
A bastonária dos enfermeiros sublinhou que se a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) ou a ministra da Saúde, Marta Temido, pretender “algum documento respeitante a esta ordem profissional”, a OE só colaborará se houver uma ordem do tribunal.
Nesse caso, “colaborará porque não temos nada para esconder, mas de facto lutar pela liberdade e pela democracia vale sempre a pena e não podem entrar-nos pela casa só porque não gostam da cor dos nossos olhos”.
A bastonários dos enfermeiros avançou que irá anunciar ainda hoje esta decisão à ministra da Saúde e aos inspetores da IGAS, acompanhada dos pareceres jurídicos.
Avançou ainda que estão prontas para entrar as queixas-crime relativamente à atuação dos inspetores da IGAS no dia 13 de maio, quando invadiram, com a ajuda da PSP, as instalações da OE.
“Foram arrombados armários pelos inspetores da IGAS e foram levados pertences e documentos que nem sabemos o quê e perante esta atitude cabe ao tribunal decidir o que vai acontecer”, salientou.
Questionada pelos jornalistas sobre se tem receio de ser detida por não colaborar com a sindicância, afirmou: “não conheço o risco, mas se ele existir é um risco do qual eu não temo”.
Ana Rita Cavaco leu alguns excertos do parecer de Paulo Otero que sustentaram a decisão da OE.
No parecer, Paulo Otero diz que “verdadeiramente o Ministério da Saúde tem agido sobre a ordem dos Enfermeiros como se a ordem jurídica vigente fosse semelhante ao modelo corporativo do Estado fascista italiano ou do Estado Novo português”.
“A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde trata a Ordem dos Enfermeiros como se se tratasse de um órgão do Estado, aplica-lhe os diplomas reguladores da atividade inspetiva da administração central e entra pelas instalações da Ordem dos Enfermeiros como se tratasse de um departamento subordinado hierarquicamente ao Ministério da Saúde”, lê-se no documento.
Aludindo ao modo com a IGAS atuou na sede da OE, afirma que o seu comportamento “consubstancia um atentado gravíssimo à autonomia da instituição e ao próprio Estado de direito democrático, verificando-se que nem durante o Estado Novo alguma vez o Governo adotou semelhante conduta face às ordens profissionais”.
Sublinha ainda que a IGAS “não goza de habilitação legal válida para realizar sindicâncias junto das associações públicas profissionais sujeitas a tutela do Ministério da Saúde”.
“A realização de buscas no âmbito de sindicâncias a associações pública profissionais rege-se pelas normas do Código de Processo Penal, exigindo-se, por via da regra, a existência de um despacho de autoridade judiciária competente”, defende no parecer.
Para Paulo Otero, a falta de um mandado de busca “gera uma situação de vida de facto, passível de gerar direito de resistência e cujas provas recolhidas são nulas”.
Considera também que a decisão da ministra se “revela duplamente violadora do princípio da proporcionalidade, por ter na sua base uma excessiva ponderação do interesse público do Estado e uma deficiente (ou ausente) ponderação dos interesses profissionais cuja representação e defesa pertence à OE”.
Para o especialista, a execução da sindicância tem revelado “graves ilegalidade”, apontando as buscas a OE.