Todos os dias se trava uma batalha na Unidade de Insuficiência Cardíaca do Amadora-Sintra para salvar corações frágeis, mas resilientes, como o de Emanuel, que já sobreviveu a três enfartes e mudou de vida para “viver mais uns anitos”.
No Serviço de Cardiologia, ouve-se mais do que o som dos monitores. Há um ritmo humano e persistente de quem resiste: O dos doentes como Emanuel Pais e o da equipa multidisciplinar que os acompanham para garantir que o coração continue a bater no ritmo certo.
Aos 68 anos, Emanuel já sobreviveu a três enfartes, passou por seis cateterismos, teve de ser reanimado e vive com um cardioversor desfibrilador implantado. Conhece bem os corredores da unidade. “Já sou conhecido por todos aqui”, disse com um sorriso, enquanto pedalava lentamente num exercício de fisioterapia.
Foi em 2016 que a sua vida mudou. “Passei uma semana sem conseguir respirar, sem conseguir andar”, recordou à agência Lusa.
Descobriram-lhe líquido nos pulmões, um sinal de insuficiência cardíaca, aliado a outros como falta de ar, cansaço, inchaço nas pernas, tornozelos, pés e barriga, e batimentos cardíacos irregulares.
Desde então, Emanuel já esteve várias vezes internado, a última vez na semana passada. “Estava bem no domingo, mas na segunda acordei com um cansaço terrível. Parecia um cãozinho ofegante”, contou.
Dirigiu-se ao serviço de urgência, onde teve de ser reanimado: “Até me assustei, porque nunca tinha feito isso, mas agora estou bem. Nem tenho oxigénio”, disse, com uma voz ainda cansada.
Para viver “mais uns anitos”, Emanuel mudou hábitos na sua vida. Passou a ter uma alimentação mais regrada, cortou o sal, e começou a fazer caminhadas diariamente. Por receio de uma nova crise, deixou também de conduzir em viagens mais longas.
A especialista em Medicina Interna Cátia Henriques acompanha Emanuel há anos. “É um exemplo de um doente com insuficiência cardíaca que tem muitas vezes descompensações”, disse, enquanto o auscultava.
Segundo a médica, o ideal é intervir rapidamente para evitar o agravamento das descompensações, salientando a importância de controlar o excesso de líquidos, corrigir arritmias e ajustar a medicação de forma célere.
“Estes doentes entram com necessidade de ventilação, oxigénio, mas, em um ou dois dias, estão compensados e prontos para voltar a casa”, salientou.
A insuficiência cardíaca afeta cerca de um em cada seis portugueses com mais de 50 anos, prevalência que duplica após os 70. A enfermeira Teresa Gonçalves, há quase 16 anos no Serviço de Cardiologia, sublinhou que estes doentes são reinternados com frequência, alguns a cada 15 dias, o que exige vigilância apertada.
A médica Cátia Henriques explicou que a reabilitação começa logo no primeiro dia de internamento. Mesmo com oxigénio, os doentes iniciam fisioterapia porque, ao contrário do que se pensa, os pacientes cardíacos devem fazer exercício.
A arritmia é uma das causas da insuficiência cardíaca e, por vezes, exige uma cardioversão, uma descarga elétrica que restaura o ritmo normal do coração.
Foi precisamente essa intervenção que levou Paulo Pinto, 56 anos, ao hospital. Descobriu a arritmia por acaso, num exame de rotina no trabalho há cerca de um mês.
“Disseram-me que, normalmente, a arritmia se deteta por duas razões. Ou porque dói ou porque se cai para o lado. Nem uma coisa, nem outra aconteceu”, contou Paulo, que espera pode voltar rapidamente à sua vida normal, porque gosta “muito pouco de estar parado”.
Já Ricardo Sousa, 35 anos, viveu uma trajetória diferente. Foi às urgências dez vezes, queixando-se de um cansaço extremo que o impedia de dar mais do que três passos. Só na última visita foi finalmente diagnosticado com insuficiência cardíaca.
Ricardo acredita que a sua idade, tinha 33 anos na altura, contribuiu para o atraso no diagnóstico, embora a tempo de lhe salvar a vida. Hoje, com medicação e um desfibrilhador implantado, faz uma vida normal e consegue responder plenamente às exigências da sua profissão de bombeiro.
António Assis, 48 anos, também conhece bem as dificuldades impostas pela doença. Trabalhador numa panificadora, começou por apresentar sintomas de uma gripe, mas, enquanto os colegas recuperavam, ele piorava.
“As pernas inchavam e, deitado, os líquidos subiam aos pulmões. Tinha muita falta de ar”, recordou à Lusa na sua casa, onde é acompanhado remotamente pelo hospital.
Durante algum tempo, foi tratado com medicação para a gripe. Só mais tarde descobriu que o coração estava dilatado e fraco. Chegou a ter um ritmo cardíaco de apenas 10 batimentos por minuto quando o normal é entre 60 e 100.
Iniciou então um tratamento exigente. Os medicamentos eram caros e não comparticipados, mas “a saúde não tem preço”, disse António, a quem em novembro foi implantado um cardioversor desfibrilador.
O acompanhamento remoto pelo hospital dá-se segurança: “Se falho uma medição, ligam logo. Sentimo-nos acompanhados, protegidos”.
António voltou a trabalhar normalmente, respira bem e recuperou os mais de 30 quilos que tinha perdido. “Sinto-me como uma criança. Antes, carregar uma saca era como carregar o mundo”, comentou, com um largo sorriso.
Para o coordenador da Unidade de Insuficiência Cardíaca, David Roque, é necessário reorganizar os cuidados de saúde para evitar tantas idas à urgência, os reinternamentos frequentes e melhorar a qualidade de vida dos doentes, “bastante comprometida nesta doença”.
Por isso, deixa um apelo às autoridades para criarem um programa nacional de combate à insuficiência cardíaca, uma doença que afeta quase 800 mil portugueses, número que vai aumentar com o envelhecimento da população.